Capítulo 1

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Faz 10 anos que fugi de casa. Como eu fui "uma boa garota" esperei até os 18 para finalmente me rebelar e fugir daquela cidade. De todas aquelas pessoas que se misturam entre boatos e vergonhas sobre mim; mas que mal me conhecem.

Por que eu fugi? Enquanto olho pela janela da minha sala tento me lembrar. Não tinha um motivo. Tinham vários... Lá era triste. Então no meu aniversário eu taquei todas as minhas roupas em uma bolsa improvisada e corri pela porta da frente, gritando com ironia: "Não me esperem, porque eu não volto logo". Meu pai era o mestre do "volto logo". Junte isso com o fato de minha mãe não se importar com a constante bebedeira e chegadas de madrugada e deixo para você descobrir o que acontecia.

Respiro fundo enquanto o sol começa a nascer no horizonte da praia e tento não espirrar com a maresia. A casa de Léo é à beira da praia; mudei para cá faz dois meses e quatro dias, mas quem está contando, não é? Enquanto penso, ainda, sinto seus braços se envolverem na minha cintura, por trás.

— Volta pra cama, amor. – Engulo seco. – Vai ficar tudo bem.

Meu pai faleceu hoje. Acordei há alguns minutos com a ligação nervosa da minha madrinha. Foi um misto de "não volte" e "aqui não tem nada para você", "vá voar com o vento" ou alguma outra frase de caminhão. Ela não quer que eu vá para o enterro por obrigação, não depois de tudo que passei tentando fugir de lá.

Respiro fundo e encosto a cabeça para trás, em Léo. Estamos juntos há dois anos. Ele é alto e tem os cabelos um pouco loiros, curtos com um pequeno topete. É forte, do tipo que poderia ser capitão do time de futebol no ensino médio naqueles filmes americanos. Conheci Léo na faculdade de Jornalismo. Ele era meu veterano. Depois de trabalhar meses sem fio em três empregos diferentes, consegui passar na faculdade do estado, longe dos meus pais e fazendo algo meu para variar. Ele foi minha luz no fim do túnel no primeiro ano. Ele me ajudava com as matérias e sempre me acompanhou, preocupado que eu pudesse estar me excedendo demais com os estudos e trabalho. Sinto que tenho uma dívida impagável com ele.

Vemos, juntos, o sol nascer e me viro para beijá-lo. Ele também
não quer que eu volte. Sorrio e começo a preparar o café da manhã. Quero esquecer tudo, mas uma vozinha na minha cabeça me impede. Sento à mesa junto com Léo quando tudo está pronto e o olho lendo o jornal enquanto toma chá. Tomo um gole do café puro e gemo de satisfação. E espero.

— Isso ainda vai te dar um problema no estômago, Lila.

Sorrio. Ele sempre fala a mesma coisa.

— Eu sei.

Ele não sabe de nada, lembro. Pensa que eu fugi de lá porque meus pais não queriam que eu fizesse faculdade e me consideravam ingrata por não trabalhar para ajudá-los. Suspiro, balançando a cabeça e deixando os detalhes de lado. Eu tinha uma vida boa agora. Não queria deixar aquela cidade mudar isso.

— Preciso pegar a estrada. – Digo. Léo levanta os olhos para mim. Sorrio fraco dando de ombros. – Preciso dessa conclusão, Léo. É algo que você não vai entender.

Ele assente e dá de ombros.

— Tudo bem. – Ele põe as mãos na mesa. – Então eu vou com você.

Não sei o que dizer. Estou mais que surpresa. Ele odeia sair da cidade, e na cabeça dele "interior" quer dizer "mosquitos". Engulo seco pensando em tudo que ele poderia descobrir sobre mim e que o afastaria. Algo que costumo gostar é que ele não pergunta. Não tenta me analisar. Faz tempo que aprendeu que mesmo que ele ache que eu escondo algo, não vai ser fácil tirar de mim. Então hesito quando ele pede para me acompanhar.

Decido fingir que não tenho nada a esconder e sorrio. Levanto da mesa e dou um beijinho nele, agradecendo. Arrumamos uma mala pequena com algumas roupas e pego as chaves do carro. Léo quer que eu o deixe dirigir, pois estou "abalada", mas essa é minha terapia, então, não cedo. Dentro do carro, seguro o volante com a chave junto. São só dois dias. Ver as papeladas, deixar algum dinheiro com a minha mãe, e voltar. Relanceio para a porta de casa pelo retrovisor e desejo por um segundo que eu possa ficar. Suspiro e assinto.

— O.k., posso fazer isso.

E giro a chave na ignição.

Canção Pra Não VoltarOnde histórias criam vida. Descubra agora