Casamento Arranjado

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Catarina, preocupada, corria atrás da filha, segurando seu belo e majestoso vestido púrpura, com rendas brancas formando uma espiral da cintura para baixo, terminando com um simples babado lilás, combinando com suas luvas médias que chegavam perto do cotovelo e o salto fino e pequeno, o que facilitava um pouco a sua movimentação por aquele extenso gramado que abrigava a família Alcântara, e sob o olhar fulminante do pai, Conde Henrique, a Viscondessa ficava cada vez mais longe, levando o par de sapatos de couro na destra, andando descalça e ignorando os gritos da mãe para que parasse, tanto para que não sujasse seus pés, quanto para que não abandonasse a conversa que poderia decidir o seu futuro.

- Mas, Isabel! Por favor!

- Eu não quero! Já disse que não vou me casar com ele! - Soltava o ar pesadamente pela boca, como se aquilo pudesse dispersar sua raiva por tamanha falta de respeito.

Pela tradição, o pai decidia com quem a filha se casaria, e portanto, visando à condição financeira, o número de terras e o poder exercido sob os habitantes; depois de analisar pretendente por pretendente, decidiu que queria como noivo de Isabel o filho mais velho da família Duarte, chamado Pedro, que futuramente herdaria o título de Conde de seu pai, João Lucas, um grande amigo e parceiro de Henrique. A Viscondessa simplesmente se negava a aceitar aquele destino, por mais que não tivesse nada contra os Duarte, não era aquilo que preencheria sua vida, e sim o fato de casar-se com alguém que realmente ama.

- Isabel! - Gelou por completo, ouvindo o grito da voz levemente rouca do pai, porém não deixaria que ele a controlasse como fazia na infância, agora que já era uma adolescente de dezesseis anos, poderia muito bem confrontá-lo, não? E mais uma vez, Catarina permaneceu imóvel, sem reação, enquanto uma briga estava prestes à se iniciar, somente ao observar a expressão corporal da filha mais nova.

Cansou-se das surras diárias sempre que errava uma regra de etiqueta ou quando arriscava trocar mais de duas palavras com os servos. Aquelas luvas que cobriam seus braços não eram somente para esbanjar sua beleza, e sim para cobrir os enormes hematomas e as marcas do cinto de couro velho que Henrique usava para a castigar anos atrás, como na véspera de aniversário de doze da pequena Isabel. A garotinha de cabelos levemente ondulados e escuros mal ligava em opinar nas preparações da festa, já que seu pai tinha uma personalidade arrogante e esnobe, querendo a todo custo mostrar suas riquezas, seja com uma simples comemoração de aniversário, que na maioria das vezes, se transformava em um grande evento, perdendo apenas para o casamento, e ele estava guardadinho para depois, talvez até desde o primeiro dia de vida da Viscondessa.

- Eu não quero! - O encarou por cima dos ombros, apertando o pano de cetim de seu vestido magenta com babados no colo, abaixo de sua clavícula exposta, assim como os ombros branquinhos, dando um contraste com aquela cor tão forte em uma peça charmosa de mangas caídas.

- Você não tem que querer nada, só me obedeça garotinha impertinente! - Odiava o fato de que ele ainda a via como um bichinho de estimação ou se dirigisse à ela com um tom de superioridade, por mais que fosse seu pai, era difícil ter algum respeito por alguém como ele, e sinceramente, talvez jamais teria.

- Não vou deixar você me controlar, já disse que não quero casar com o filho do Conde João Lucas!

Conforme a tensão se instalava entre pai e filha, o volume de suas vozes aumentava a cada palavra trocada, que mais parecia uma lâmina lançada um contra o outro, e talvez, só talvez, quisessem que isso passasse do nível de uma simples metáfora. Cansado de tanto bate-boca - algo que havia virado rotina - Henrique arrastou a filha, agarrando seu braço esquerdo com tamanha força que fez com que a Viscondessa o arranhasse várias vezes, mas de nada adiantava, a irritação do Conde o fazia ignorar a dor das unhas finas e medianas de outra, até que o trajeto cheio de ofensas por parte de Isabel acabou em seu quarto, onde o pai, de cabelos negros e alguns fios grisalhos caindo sobre a nuca, atirou a mais nova contra o tapete, tão branco quanto as nuvens no céu daquela terça-feira.

- Está de castigo, não saia desse quarto em hipótese nenhuma, entendido? Tem que aprender a me obedecer!

Antes que recebesse uma resposta repleta de nomes bonitos, o Conde bateu a porta com tamanha força, fazendo com que um estrondo percorresse o enorme corredor do andar superior da casa luxuosa em que viviam, com artigos de valor inestimável como quadros, móveis, esculturas e afins, tudo posicionado estrategicamente para atrair a atenção dos visitantes, e claro, associar a imagem de Henrique à uma pessoa poderosa, como ele gostava de ser tratado para ganhar a admiração dos outros Condes, Barões e afins. Saíra à passos pesados e firmes sobre o tapete feito de pele de urso que abrigava o chão do corredor onde se situavam o quarto de Isabel, o de sua irmã mais velha Júlia e o de seus pais, sendo os três de dimensões numerosas. Qualquer detalhe deveria ser perfeito, seja ele uma escultura de vidro de dois metros ou uma saboneteira.

- Eu o odeio muito! - Cuspia as palavras, arrastando-se até a cama de casal, que sempre sobrava espaço, menos quando pedia à Júlia para que dormisse consigo nas noites de chuva quando era pequena.

Era incrível como aquilo a tirava do sério, e tudo porque não tinha o mesmo perfil de cachorrinho como a outra, que seguia às ordens do Conde, que há duas semanas atrás, marcou o casamento de Júlia com algum outro filho de uma família rica que Isabel mal quis conhecer, pois sentia tamanho repúdio daquele ato feito exclusivamente pelo dinheiro e poder, o que deveria ser por amor, e este pensamento nunca abandonaria Isabel, que sonhava todos os dias em encontrar aquele que a fará feliz, e não a Viscondessa mais rica.

Outra que a mais nova não conseguia entender era Catarina, sua mãe, que casou-se com Henrique, também sendo obrigada por seu pai, talvez a pessoa mais desconhecida pela qual ninguém dava sequer uma informação além de seu nome, Marcos. Lembrava-se nitidamente de alguns acontecimentos de quando era criança, principalmente os momentos em que apanhava de Henrique; enquanto gritava e pedia ajuda, Catarina permanecia parada como uma estátua, observando o Conde golpear a própria filha sem dó nem piedade, chamando-a pelos piores nomes possíveis, tais que nenhuma garotinha de seis ou sete anos deveria saber. Na primeira vez em que conheceu a dor do maldito cinto de couro, a mãe tentou intervir, porém acabou ouvindo poucas e boas, além de ter uma "conversinha" mais tarde no quarto, idêntica as que Isabel tinha com o homem cujo nunca chamaria de pai, e que o próprio não fazia questão, somente quando a situação exigia que eles parecessem uma família harmoniosa e equilibrada. Aparências. Os Alcântara viviam de aparências, enquanto a filha mais nova queria fugir, escapar daquele mundo o qual se tornava uma gaiola cada vez mais fechada, e seu ódio só aumentava quando alguém lhe dizia que sua vida era fácil.

Isabel invejava os servos, os observando da janela oval de seu quarto, principalmente os domadores de cavalo - mais um dos troféus que Henrique esbanjava para seus amigos mais do que interesseiros -, cavalgando para lá e para cá, pareciam tão livres, com suas próprias vontades, ao contrário de si, que passava a maior parte dos dias trancada, o que nem sempre era um castigo, e sim o desprezo pela própria família, por mais que amasse sua mãe e Júlia, estava cansada de alertá-las sobre o quão cegas eram, seguindo as ordens do Conde. A única fonte de felicidade da Viscondessa se chamava Sol, uma borboleta de asas amarelo que ela havia feito de bicho de estimação, por assim dizer, e embora a mais nova a soltasse, ela voltava todas as noites para lhe fazer companhia.

- Queria ser como você, Sol, ter asas para voar e ir para qualquer lugar, sem que ninguém pudesse me pegar e prender novamente.

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