Capítulo 1

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Por mais que eu insista, meu corpo não quer acordar, é muito difícil entrar no serviço, às 6h da manhã, no centro de São Paulo. Bom, não sei dizer se é mais difícil entrar no trabalho cedo ou morar longe como eu moro. Itaquera não é fácil para ninguém. Pelo menos nesse horário o trem vai um pouco mais vazio, pois eu consigo por os pés no chão e isso já é um boa vantagem para alguém baixinha como eu.

Olho para o lado e vejo minha amiga Irene no décimo sono escorada perto da porta de saída do trem. Se ela soubesse quanta inveja eu tenho dela nesse momento. Fala sério! Conseguir dormir de pé é uma coisa rara e eficiente para quem mora em São Paulo.

O alto-falante anuncia que estamos chegando na estação Pedro II, na próxima teremos que fazer baldeação. Aproveito a parada do trem na estação para acordar minha amiga com jeitinho, coloco a mão no ombro dela para que ela acorde e perceba que sou eu.

— Bom dia dorminhoca. —Sorrio ao ver sua cara de assustada. Como se eu não soubesse, todo dia é essa mesma cara que olha para mim.

— Em que estação estamos? — Pergunta Irene.

— Dom Pedro II. A próxima é a Sé. Aproveita e dá uma arrumada no seu cabelo, que tá todo amassado atrás.

Irene se arruma com pressa e ajeita a sua bolsa enquanto a maioria dos passageiros começam a se acumular na porta. Nesse horário tem muita gente que desce na Sé para fazer baldeação para outras linhas.

O trem para e a gente mergulha no mar de gente que desembarca do trem rumo à linha azul.

Aguardamos na plataforma que a cada segundo vai enchendo mais de pessoas que desembarcam da linha vermelha.

Irene termina de se arrumar e me ajuda a colocar minha mochila para frente, nesse horário é normal algumas mãos bobas e outras ligeiras demais passarem por aqui.

Irene é minha melhor amiga há 3 anos. Eu a conheci no abrigo em que vivi durante dois anos, depois da morte de minha mãe, por dengue. Desde então, nunca mais nos desgrudamos. Depois que completamos 18 anos e saímos do abrigo, conseguimos emprego por indicação da diretora do abrigo e alugamos dois cômodos para viver na zona leste. Não é uma vida de luxo ou fácil, mas posso garantir que Irene torna nossa vida mais divertida.

O trem chega na plataforma, embarcamos um pouco mais espremidas do que a linha anterior, mas pelo menos nessa linha são apenas 4 estações e estaremos livres.

Quando o alto-falante anuncia a estação Paraíso me sinto realmente nele, pois o ar condicionado do nosso vagão não está funcionando, para variar, e com toda aquela quantidade de gente no mesmo lugar imagine o cheirinho que fica. Delícia!

— Graças a Deus que saímos desse inferninho hein? Imagina se isso acontecesse às 17h? — Questiona Irene enquanto caminhamos para a saída da estação.

— Nem me fale, seria uma inhaca de matar, ainda bem que isso ocorreu agora de manhã. — Respondo balançando a cabeça.

— Lembrei de uma coisa Paula.

— Fale! — Digo enquanto entramos no galpão e batemos nosso ponto.

— Hoje a gente tem que passar no banco na hora de voltar para casa, para pagar o aluguel. Não me deixe esquecer, ok?

— Beleza. Pode deixar, esse mês é você que vai pagar, não é? — Pergunto, tentando me lembrar se foi eu mesma que paguei no mês passado.

— É isso ai. Bem, um bom dia para você, nos vemos a tarde beleza?

— Até a tarde!

Pego meu carrinho e espero na porta do galpão, meu colega Juarez chegar para me acompanhar. Saímos em direção a Paulista. Está aí um lugar que eu e meu colega conhecemos muito bem, passamos o dia todo limpando as vias e calçadas desta avenida das 6h da manhã as 17h da tarde. Já vi gente importante, e gente esquecida por todos, que tem talento e que apenas quer ganhar a vida. E assim vou levando a minha, a passos pequenos e seguindo um dia de cada vez.

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