A fila do supermercado naquele fim de tarde estava especialmente gigantesca. Apesar dos apelos feitos ao seu patrão, a empregada da família Silva, Babuska Perchta, estava ali. Longe do conforto e do calor da Mansão Silva, forçada a uma longa espera numa fila interminável.
É claro que ela têm direito ao atendimento preferencial, afinal, já aparenta ter pelo menos 70 anos. Aparenta.Em seu íntimo, toda aquela espera, todos aqueles insultos, toda aquela humilhação que sofria daquela família, a qual servia há mais de 30 anos, valeriam a pena naquela noite. Na noite em que veria sua verdadeira família, após tanto tempo separados. Justamente naquela noite em que os flocos de neve caem brancos e gelados sobre a casa dos tolos a esperar um gordo vadio descer pela chaminé.
Perchta lembrou da família Silva e um breve sorriso brotou em seu rosto tomado por rugas.
"Um bando de tolos."
Pensava em como estaria feliz ao fim da ceia que prepararia quando um rapaz a cutucou. Bem entre as costelas, de leve, mas insistentemente.
-Senhora! Ei... senhora! Porque você não vai pro outro caixa? Lá tem uma fila um pouco menor. -disse o homem, já se apressando em ultrapassar Babuska Perchta.
"Realmente os Silva não são os únicos tolos" - pensou Babuska.
O homem continuava a resmungar, mesmo já estando à frente da velha e faltando pouco para ser atendido. Perchta olhou para as compras do homem e percebeu que esquecera de um dos itens de sua lista: PANETONE. Justamente o panetone da Sra. Catrina Silva, a esposa fútil de Joel Silva, o Pai dos Tolos.
Babuska Perchta se aproximou do resmungão e devolveu-lhe a cutucada de antes. Não tão de leve como a que recebera. Seus olhos se cruzaram e o homem foi hipnotizado. Era como um pequeno roedor capturado por uma serpente. Seus olhos ficaram opacos e seus movimentos começaram a ser controlados por uma mente tão antiga quanto o próprio tempo."Passe para mim este lindo panetone meu jovem! Você não precisará se alimentar no lugar pra onde irá...VOCÊ será o alimento."
A ordem ecoou na mente do homem, e ele obedeceu. Ninguém na enorme fila percebeu quando os olhos do homem começaram a sangrar, enquanto ele acomodava o panetone na cesta da idosa.
"Muito bem! Agora pegue essa linda estrela dourada que comprou...Ah,vejo que é de metal. Que sorte a minha. Digo, nossa. Com uma das pontas, perfure várias vezes seu pescoço! Faça jovem...e me encha de alegria."
A voz ordenou e mais uma vez foi obedecida. As pessoas só se deram conta tarde demais. O homem praticamente escavou seu pescoço até perder as forças. Todos se desesperaram. Todos menos uma das atendentes do caixa.
Estava ocupada obedecendo a ordem que recebera da pobre velhinha: "Era tudo por conta da casa."***
Na mansão, um velho impaciente fumava seu charuto inquieto. Horas haviam se passado desde que a empregada havia saído para resolver a questão da ceia natalina. Por um instante pensou se teria sido realmente uma boa ideia mandá-la naquele frio, sozinha, naquela idade e com aquela saúde debilitada. Mas se recompôs e disse para si mesmo que era o certo. Ele era o patrão, ele era o chefe da casa e estava no vigor de seus 50 anos para se arrepender de tomar as rédeas da família. Era um SILVA e agiria como tal.
A família Silva era dona de grande parte dos hotéis construídos em Moscow. Eram portugueses, mas o dinheiro investido no país de Stálin rendeu-lhes status e prestígio na alta sociedade europeia, além de muito dinheiro é claro. O Holocausto enriquecera muitas famílias e os Silva não eram diferentes, dinheiro sujo com sangue dos inocentes.
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A DEIDADE
Historia CortaUm conto um tanto quanto longo, sobre uma figura folclórica que descobri recentemente. Espero realmente agradar a quem tiver paciência de ler até o final. Desculpe algum erro e talvez, algumas alterações que tenha feito na lenda. 2o. Lugar no Desafi...