Era uma noite de tempestade a que Lorram chegou naquela casa. Já passava da meia-noite quando se ouviu bater na porta. O dono do casarão, um senhor de cinquenta anos, o atendeu. Lorram estava aflito e implorava por abrigo. O senhor não o conhecia e temeu deixa-lo entrar, ainda mais porque trazia o rosto coberto por uma máscara:
-Suplico-vos, nada tenho a oferecer senão minha música, imploro que me deixe ficar.
O senhor compadeceu-se daquele homem e o deixou ficar com a condição de que ensinasse sua filha a tocar piano:
- Vai conhece-la pela manhã no café – disse o bom senhor.
Lorram não trazia nada consigo além das partituras de uns poucos ensaios que compusera outrora. Por esta razão o bom senhor generosamente ofereceu-lhe algumas roupas para que pudesse se enxugar e descansar da suposta longa viagem.
No dia seguinte, pela manhã, a filha daquele senhor espantou-se ao ver mais um homem à mesa do café. Ainda mais por que comia de cabeça baixa e ao nota-la tratou logo de cobrir o rosto com a máscara que deixara sobre a mesa.
-Este é Lorram – disse o senhor a sua filha.
A moça estendeu-lhe a mão ao cumprimento e apresentou-se:
-Sou Rebeca.
Só então Lorram ergueu o rosto para vê-la e estarrecido não pode deixar de elogiá-la:
-Não poderia haver nome mais próprio para tão distinta donzela. As sardas do teu rosto emoldurado pelos teus cabelos ruivos fazem-na parecer uma boneca e teu andar é como de uma...
-Basta!- intenrompeu-lhe o pai da moça levantando-se da mesa – de hoje em diante tomará aulas de piano com Lorram. Se precisarem de mim estarei na biblioteca lendo. Com sua licença.
A criada logo tirou a mesa e o mestre e sua aluna foram para a sala onde se encontrava o piano. Lorram sentou-se em frente ao instrumento e com a voz rouca por detrás da máscara começou a balbuciar o que seria o princípio de uma aula. Rebeca permanecia de pé. Ela não pareceu se importar muito com o que o instrutor ministrava e já no inicio cortou suas palavras com um pretencioso comentário:
- Jamais ouvi galanteios como os que me disse esta manhã.
- Não foram galanteios. Eu apenas digo o que penso. Se disse que jamais vi beleza como a sua é porque realmente não vi. Mas não se preocupe, não tomarei maiores liberdades com a senhorita, percebi que seu pai não se agradou da minha ousadia.
Nos dias que se passaram Lorram ensinou-lhe primeiras notas. Embora a cada dia Rebeca se encontrasse mais apaixonada por sua música, não tinha êxito em fazer-lhe aprender os acordes devido as suas inúmeras interrupções.
Preocupado com o desempenho de sua pupila Lorram tentou aconselhá-la.
-Rebeca, se não se esforçar não vais aprender nunca a tocar.
-Deixe um pouco de lado a aula e toque uma música pra mim.
-O que devo tocar?
-Algo de que goste.
Principiou então a toca Pour Elise, de Bethoven. E tamanha era a angústia com que seus dedos percorriam o teclado que Rebeca não pode deixar de comentar quando ele encerrou a canção:
- É triste, como todos os sonetos que escreveu.
- Não, é triste como minha vida.
- Reparei que não és feliz... acaso tem algo a ver com o por que você usa essa máscara?
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O por que da máscara
Historia CortaUm jovem conquistador decide ocultar sua face quando percebe o sofrimento que sua beleza pode causar...