Abril

9 1 0
                                    


Aquele ponto específico à entrada da livraria era privilegiado, uma perfeita intersecção física e poética, de onde definitivamente se podia distinguir entre o cheiro das centenas de títulos novos da livraria e o aroma forte de café em suspensão no ar. Podia-se ainda ouvir o burburinho do Café e dos eventuais transeuntes que vagavam pelos corredores das galerias do Museu de Arte.

No Café predominava uma atmosfera nostálgica intensificada por uma característica penumbra boêmia propositalmente ali instalada, oriunda possivelmente de alguma fonte de luz difusa que tentava iluminar o minúsculo palco improvisado onde se apresentavam os cantantes latinos, para satisfação talvez, dos 2 ou 3 casais que deslizavam desinibidos na pista de dança ou ainda para a frustração das 3 senhoras de meia idade que tentavam manter uma conversação minimamente audível.

A espontaneidade ensaiada dos músicos argentinos se contrapunha à aparente indiferença das atendentes que marcavam as horas pela quantidade de cafés expressos que ainda poderiam servir...

O café tinha um aroma bem pronunciado e um amargor intenso, provavelmente resultado de um processo de torragem levado a cabo por mais tempo, mas de todas as características que compões um bom café a que sempre se sobressai é o latente poder de magnetismo social dessa bebida austera, essa incrível capacidade de promover improváveis e agradáveis encontros citadinos... e à semelhança das atendentes ( bem intencionadas talvez...ainda que relapsas) marcar o tempo, mas talvez sob critérios um pouco mais poéticos, talvez pelo número de prazerosos goles pacientemente disfrutados, ou o tempo até que fique frio, a quantidade de risos ou ainda a quantidade de palavras e frases possíveis de serem articuladas durante esta breve viagem entre a superfície da mesa e a superfície dos lábios.

De todas as cores coloridas das obras de arte e de todas as cores escuras do Café o azul dos pequenos olhos de piscina se destacavam graciosamente, a luz que ia e vinha deles parece ter tido a duração de apenas 80 ml de café, tempo suficiente para que fosse digno desprezar todos os detalhes de todos os outros elementos menos importantes, como a aparência do morango que figurava no topo de uma torta de glacê branco na vitrine num dos extremos do recinto.  

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 03, 2016 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Um Café em Porto AlegreOnde histórias criam vida. Descubra agora