Primeiro dia.

159 4 0
                                    

  Havia acordado em um quarto que não era o meu, em uma cama que não era minha, em um canto que não era meu. Nova York era uma cidade incrível, agitada e barulhenta aonde eu poderia aproveitar muito a quinta avenida e comprar horrores.

Ha!ha! até parece.

  Estava ali para fins acadêmicos, ou seja, iria estudar por seis meses na LSA, para treinar e melhorar meu inglês-que não era tão ruim assim.

Tirei meu gatinho da caixa e sentei com ele na cama, acariciando o pelo acastanhado.

-O que você está achando de New York, Picasso?

Meu siamês voltou os olhos azuis pra mim e miou suavemente, sorri compreensiva, também sentia falta de casa.

-Yes, dear, eu sinto falta de casa.

  Suspirei e fiz carinho nele mais um pouco, então o soltei pra começar a me arrumar para poder ir para a LSA. Coloquei um jeans e uma bota preta de cano e salto alto, uma blusinha branca de lã e uma jaqueta jeans pra combinar com a calça. Peguei a minha mochila azul da Kipling e saí de casa. Nova York com toda certeza era uma armadilha cheia de distrações, era absurdamente difícil resistir as tentações de sair para os restaurantes, cafés, lojas, museus e pubs, bem, nem todos os pubs por eu ter 19 anos e não poder consumir álcool nesse país.

  Entrei na LSA e fui para a sala, sentando aonde seria meu lugar permanente pelo ano todo. Fiquei desenhando enquanto a aula não começava, até ouvir uma voz grave no meu ouvido.

-Acho que eu conheço você.

  Virei e quase caio da cadeira ao ver o gato que havia falado em português no meu ouvido com uma voz grave e deliciosa. O cabelo castanho claro era completamente desarrumado, cabelo que fazia contraste com uma pele completamente branca e extremamente bonita, pele essa que cobria músculos perfeitamente bem definidos e bonitos, os olhos cor de mel olhavam dentro dos meus e então a lembrança veio.

~Anos antes~

-Vem logo, Charlotte!

-Espera, Lucas! Por que a pressa?

  Eu corria vestida em um vestido de florzinhas amarelas, tentando acompanhar os paços apressados de Lucas. Os olhos cor de mel se voltando para trás para ver se eu o estava acompanhando, eu não sabia quando ele tinha ficado tão rápido, mas não me importava com aquilo, tinha que acompanha-lo de qualquer jeito.

-Você tem que ver, Loh! Vamos!

-Lucas, eu não consigo correr rápido assim!

-Vamos Loh, nem estou correndo rápido.

-É claro que está! Para e me espera!

  Aquilo havia sido a cinco anos atrás, a última vez que eu vi Lucas. Corremos por mais alguns minutos, quando finalmente ele me mostrou um gato destroçado caído no jardim da senhora Carter.

-Você me chamou pra ver isso?

-Legal, neh? O que você acha que fez isso?

-Isso não é legal, Lucas! E sei lá, mas não quero encontrar com esse animal.

 

  Depois desse dia eu e ele nunca mais nos vimos, e então, ele se mudou, o pai dele simplesmente o levou pra longe de mim, faziam exatamente cinco anos que eu não o via e do nada lá estava ele, tão bonito quanto eu me lembrava. Aquela beleza me fez ter uma queda por ele desde os dez anos.

-Lu-Lucas?

-Ah caramba, Charlotte?! Eu não acredito, é tão bom ver você!

-É?

-Como assim "é"? É claro que é!-ele me abraçou-senti sua falta!

  Retribui o abraço meio envergonhada, quer dizer, da última vez que o vi ele era um garoto magrelo e agora estava um homem. Lucas era um ano mais velho que eu, ou seja, no momento ele tinha vinte anos.

-Eu também senti a sua. De verdade, senti muito a sua falta!

  Ele sorriu e sentou-se ao meu lado, segurando a minha mão e sorrindo pra mim.

-E então? Me conta o que aconteceu com você? Pra onde você foi?-perguntei.

-Bem, meu pai conseguiu um trabalho em Minas Gerais, era pegar ou largar, bem, ele teve que me levar. Mas eu não consegui o seu contato.

-Bem, a gente tem muito tempo pra conversar agora.

-É verdade-ele sorriu.

  Fiquei tão distraída conversando com o Lucas que não me toquei que a sala já tinha ficado cheia. A aula começou e eu e ele começamos a prestar atenção e anotar coisas no caderno, todos estávamos tão concentrados que nos assustados ao ouvir uma voz grave na porta.

-Sorry, I'm late. (desculpe, estou atrasado)

-No problem-falou Harry (nosso teacher) para o cara na porta- what's your name? (não tem problema. Qual o seu nome?)

-My name is Miguel, sir. (Meu nome é Miguel, senhor)

-Ok, Miguel, come in. (Está bem, Miguel, entre).

-Thanks, sir. (Obrigado, senhor).

  O garoto entrou na sala e eu o olhei, ele era bonito, muito bonito na verdade. O cabelo preto e liso contrastava com a pele bronzeada e os olhos azuis piscina bastante encantadores, antes escondidos por óculos escuros no estilo aviador. Ele  usava uma jaqueta de couro e por baixo uma blusa branca com mangas curtas, calça jeans e All stars pretos, a jaqueta logo foi pendurada no braço. Em cima do bíceps esquerdo-que era bem avolumado-havia um bracelete tribal e o outro braço era completamente tatuado. No momento que ele passou, todos os olhares femininos-e alguns masculinos-se voltaram pra ele, ele exalava uma confiança incrível. Miguel sentou-se na minha frente, de modo que eu só conseguisse enxergar a parte de trás dele, meus olhos ficaram nos cabelos escuros, de modo que ele sentiu e virou, dando um leve sorrisinho pra mim e voltando a se virar. O parceiro dele era gay, daquilo eu não tinha dúvidas, já que o menino parecia que ia babar.

-E então?

  Olhei Lucas meio confusa, não havia percebido que ele estava falando comigo até esse "e então". Corei de vergonha, não acreditava que havia deixado meu amigo falando sozinho enquanto admiravam um cara que nem sabe da minha existência.

-Mil perdões, Lu, será que você poderia repetir?

-Er, bem, eu queria saber se você quer ir lá em casa assistir a um filme, conversar, esse tipo de coisa...topa?

-Ah-falei e sorri-claro! Eu iria amar! Precisamos mesmo conversar e botar o papo em dia.

  Ele sorriu pra mim e voltamos a prestar atenção na aula.

   Naquele mesmo dia eu almocei e fui ao cinema com o Lucas, nós conversamos o dia inteiro e nos divertimos muito, quando me toquei já era tarde da noite e eu precisei voltar pra casa, deitei na cama e fiquei pensando sobre milhões de coisas, e eu dormi, tranquila e feliz.

Encontro em NYOnde histórias criam vida. Descubra agora