CAPÍTULO 1

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A avenida estava cheia delas, mas Ricardo não podia pegar qualquer uma, e não podia ser em qualquer lugar. Dirigiu mais alguns quarteirões, em busca de pontos novos, à procura de carne de qualidade à venda nas esquinas do centro histórico.

As loiras estavam em falta, ele reparou. Já devem ter se formado, ou agora tinham namorado fixo. Tudo bem. Morenas também agradavam ao seu patrão. Ainda bem que ele não tinha preferência por ruivas – dessas, praticamente não se via nenhuma na noite. Sabe-se lá por que!

Ele precisa de carne jovem, Ricardo pensou. Carne jovem e bonita. Não inocente. Isso seria pedir demais nesses tempos e nesse horário, mas ao menos um pouco de inexperiência emocional, o suficiente para não morrer em paz.

Numa esquina da praça da catedral havia um grupo delas, mas era um grupo muito grande, não caberiam todas no carro, e Ricardo não podia deixar testemunhas. Isso era muito complicado. Nunca se imaginara fazendo algo igual, mas seu benfeitor bem que merecia, e Ricardo faria até mais, se lhe pedisse. Não que lhe tivesse pedido claramente. Ele não falava como nós, mas deixava bem claro o que era capaz de fazer, o que estava fazendo por ele, e do que precisava para continuar o bom trabalho. Era um contrato, Ricardo entendia isso, e ele assinou de bom grado, com a própria alma.

Algumas ruas depois, uma dupla. Ele desacelerou e foi encostando na calçada, examinando o produto. As duas acenaram para ele, chamando. Sorrisões, queixos grandes. Ricardo olhou bem, fez uma careta e acelerou. No retrovisor, os travecos mostraram o dedo e mandaram ele fazer algo, pode-se imaginar o quê.

Uma garota sozinha. Oba, oba!, Ricardo pensou. Mas esta estava correndo. Minha filha, ele pensou, você não imagina o quanto está atrasada pra sair dessas ruas. Ignorou a menina e continuou rodando.

Havia uma – mulher de verdade, parecia –, mas estava perto de um boteco. Muitos homens. Bêbados e valentões. Se algum deles soubesse onde passara a noite no dia seguinte, poderia servir de testemunha, descrever o carro. Isso não seria bom, droga!

Garotas, garotas! Essas não! Naquele lugar não! Aqui não tem nenhuma! Droga! Droga! Droga! Uma grande volta no volante duro, olhando por cima do painel alto. Ricardo aprendera a gostar de carros antigos, e aquilo que dirigia era mais do que um clássico; era a história viva sobre rodas. Achei!, ele pensou. Lá estão elas!

Era três, número da sorte na opinião dele, e era bom que fossem na quantidade certa para caber no carrinho apertado. Ricardo tinha uma boca muito grande para alimentar, e quantas mais conseguisse de uma vez, melhor. Assim, não teria de fazer isso tantas vezes no mês. Ele estacionou na guia, mas sem desligar o motor. A janela do passageiro desceu, um vidro meio escurecido, e as três se aproximaram. Ali estavam elas, Ricardo pensou. As garotas que faturavam por fazer o que as outras não faziam.

_Boa noite! – a loura tingida falou. – Belo carro. Procurando algo especial hoje?

As três sorriam para ele. A loura falsa estava debruçada sobre a janela do passageiro.

_Estou sim! – ele respondeu. – Estava procurando vocês!

Sorrisos artísticos. Gargalhadas ensaiadas. Ajeitam o cabelo ou passam a mão nos lábios, retocando o que sabem que já está bom.

_Que carrão da hora! – a outra brincou, enfiando o cabeção também. Se fosse uma guilhotina..., ele pensou. O sorriso desta era mais, como dizer... menos drogado que o das amigas. Os olhos eram azuis, e não dava pra saber se eram naturais ou não. – Eu já andei de Audi, Mercedes, e até Camaro, mas num desses, vai ser a primeira vez. – Ela sorriu outra vez. "Vai ser a primeira vez" – ela já está se convidando – mas Ricardo percebeu que o sorriso era de deboche. Tiravam sarro do seu velho Fuscão preto. Percebeu também que elas iam entrar de qualquer jeito, desde que falasse a língua delas. Ele trazia vários argumentos convincentes na carteira. Por mais que desprezasse mulheres que se vendiam assim, por tão pouco, ele precisava fazer aquilo. Ele vendera a alma, elas vendiam o corpo; ele as compraria. Negócio legal.

O FUSCÃO DO RICARDOOnde histórias criam vida. Descubra agora