Capítulo 1 - Devaneio

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Ele está por perto, eu posso sentir. Tem alguém se aproximando. Algo salta sobre mim e me derruba.

— Maldita! Olha o que você fez comigo! — A raiva daquela criatura era notável.

Suas enormes presas não me causam mais medo. Viro meu rosto desviando o olhar, o hálito quente dele em meu rosto é nojento. Vejo suas garras se alongarem e uma de suas patas num ato de punição, corta minha garganta fazendo jorrar sangue por toda neve branca ao meu redor.

Levanto assustada. Mais um pesadelo. Até quando sofrerei com isso? Quando poderei dormir um sono tranquilo? Se dependesse daquele desgraçado, nunca.

Minha vida sempre foi simples e tranquila. Uma criança normal que vivia num vilarejo com sua mãe e sua avó. Eu nunca tive amigos - e não fazia questão alguma de ter também -, não tinha outros parentes e raramente conversava com outras pessoas. Meu único passatempo era andar pela floresta.

— Filha, entre! O jantar está pronto. — A voz de minha mãe sempre tinha um ar de tristeza. A morte de meu pai, por um motivo que eu ainda desconheço, deixou a vida dela sem sentido. Ela só ficava em casa, limpando, cozinhando e cuidando de minha avó.

Entro em casa e aquele aroma de guisado de carne e legumes me deixa com água na boca. Graças a mim,que cacei a tarde inteira, hoje teremos carne. Sento-me à mesa junto de minha avó, que olha pra mim e sorri.

Nós duas sempre nos demos muito bem. O arco e flecha que tenho foi presente dela, no meu aniversário,ano passado. Minha mãe coloca os pratos na mesa e pede para que eu tire a panela do fogo.

Pego a panela pelas duas alças, e coloco sobre a mesa. Nos servimos. Pego uma xícara de chá, bem quente. Dentro da xícara algo se move e percebo o mesmo rosto e as mesmas presas de um horrível ser, parecido com um lobo, mas muito mais feroz e raivoso.

Solto a xícara sobre a mesa. O líquido escorre pela toalha e molha as pernas de minha mãe,queimando-a.

— Cuidado filha. Segure essa xícara direito!

O som de batidas na porta invade o ambiente. Nos olhamos. Quem poderia bater à porta a essas horas da noite? O povoado dorme cedo. Pego a faca mais próxima e escondo-a atrás de mim. Minha mãe levanta e abre a porta.

— Dona, me ajude. Preciso de algo para comer. — Um homem, com cabelos negros como a noite e olhos que me causavam certo pavor, observa todo meu corpo até encontrar os meus olhos. Ele estava trêmulo e com flocos de neve sobre todo o corpo. Minha mãe recua um passo.

—Não, nós não podemos te ajudar. — Tento fechar a porta mas ele coloca uma de suas pernas e me impede.

— Eu só quero um prato de comida. — Diz o homem tentando abrir a porta.

— Já disse que não podemos te ajudar, vai embora daqui! — Seguro a faca com força e corto sua perna. Ele não reage. Apenas retira a perna, olha profundamente em meus olhos e no mesmo instante sinto um arrepio por todo o meu corpo e ele sai dali.

Tranco a porta e observo minha mãe que já está em prantos. Minha avó me olha fixamente e apenas balança sua cabeça como se estive em concordância com algo. Abraço minha mãe e tento acalmá-la.

Sigo ao meu quarto e preparo-me para dormir. Olho pela janela e vejo o brilho da lua refletir na neve.Fico por alguns minutos admirando aquilo tudo, era tão belo.

Fogo. É tudo o que consigo ver a uns quilômetros daqui. Provavelmente uma casa em chamas. Minha curiosidade é tão grande que decido ir ver o que está acontecendo. Visto uma capa vermelha, que minha avó fez pra mim, calço um par de botas escuras, pego meu arco, algumas flechas e saio sem fazer nenhum barulho para não ser notada.

Ando pela neve. Posso sentir meus pés afundarem no gelo a cada passo que dou. Não sei o que está acontecendo naquele lugar, mas eu irei descobrir.

Cristais de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora