Olá. Como você está?
Comigo está tudo bem. Para ser sincero, poderia estar melhor, se não fossem minhas fantasias e fantasmas que atrapalham, toda noite, meu sono. Fantasmas de pessoas, momentos, lugares. Gente morta e viva. Acredite se quiser, mas os vivos são mais assustadores do que aqueles que já se foram, são eles que podem me fazer mal, são eles que me criaram, que me transformaram no homem que sou hoje.
São essas pessoas que me chamam de louco, assassino, servo do demônio. Acredita nisso? Eu, um jovem cristão, que sempre amei o mundo e as pessoas que nele vivem, chamado de "servo do demônio".
Bem, você deve estar um pouco confuso. Explicarei melhor para você. Para isso, voltemos ao meu passado.
Acho que tudo começa na quarta série, quando vivia sozinho no pátio do colégio. A minha única companhia era um livro velho, amassado e fedendo a mofo da obra Dom Casmurro. Acho que é por isso que estou fazendo isso agora. O mesmo que Bento Santiago fez.
Isso me lembra que não falei o meu nome para você. Bem, pode me chamar de Bentinho.
Bem, já está tarde. Vou lhe contar a minha primeira experiência e partirei. Vá pra casa e, quem sabe, na próxima vez que me visitar, eu tenha a vontade de te contar outras experiências, todas que me tornaram nisso.
Bem, chega de embromação, deixe-me continuar.
No colégio, sempre estive sozinho. Na sala de aula sentava na frente por prazer. No pátio, seja no recreio ou depois das aulas, vivia sozinho no canto, debaixo de um pé pêssegos pequeno. Eu e o Bento (como te falei antes). Não me importava. Mesmo porque as crianças são más e falsas. Ao mesmo tempo, são boas e verdadeiras. Enquanto eu ficava lá, sentado sozinho, elas ficavam falando escondidas. Só podia ser sobre mim. Elas riam, faziam cara de nojo, falavam com ironia, mas nunca vieram falar comigo, fazer companhia. Apenas me olhavam e falavam de mim pelas costas.
Isso me trouxe muita tristeza e raiva ao mesmo tempo. O ódio pelos meus colegas tomava conta de mim. Cheguei a pensar até em espancar alguns, mas nunca o fiz. Infelizmente.
Certo dia, tudo estava bem, o céu cinzento, ameaçando chover (sempre gostei da chuva). Estava tudo indo tão bem, que chegava a estar suspeito. A calmaria antes da tempestade. No fim do dia, alguns garotos estavam jogando balões d'água uns no outro, mas, quando eu menos esperava, tomei um balão enorme na cabeça. O meu livro se foi, apesar de que eu consegui salvá-lo depois, mas ele nunca foi o mesmo. Meus cadernos sim já eram. Cheguei ensopado no carro da minha mãe. Não consegui explicar para ela de um modo que ela acreditasse. Ou ela acreditou mas estava brava demais com o banco molhado para perceber.
Lembro que fiquei tão furioso com ela por ser injusta comigo que desejei a sua morte. Que criança nunca fez isso ao menos uma fez na vida? Infelizmente, uma semana depois, eu e o meu pai estávamos no cemitério enterrando-a. Ela sofreu um grave acidente de carro. Um caminhão passou por cima do carro dela. Sem chances de sobreviver.
Me sinto culpado por isso.
Eu matei a minha mãe.
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Memórias de um psicopata
Mystery / ThrillerHistória sobre a vida de um garoto solitário.