– O Diário da Rainha –
Sudeste do território de Khaye. Mês de Morah*, 8 a.E.
Não importa a mentira que me contem, meu destino não é glorioso como insistem em pintar. O deserto está à minha frente e para trás ficaram os prados do meu reino – agora anexado ao reino deste homem que em poucos dias será meu esposo. Não paramos. Sinto que enlouqueço um pouco cada vez que os cavalos relincham, cada vez que as rodas se chocam com as pedras. Tento em minha mente montar imagens que consolam, mas só sou capaz de lembrar como minha mãe chorou em minha despedida, falando-me para ser forte em um abraço apertado; ou em meu pai a dizer-me que eu lhe causava orgulho.
Eles sentirão minha falta e eu a deles, porém, entendo o sacrifício que sou para uma paz frágil. Não tenho vergonha em admitir. Ao menos tenho algum alento no sorriso deixado pelas crianças, nas pétalas lançadas pelas mulheres. Nesta despedida que parece agora tão boba e tão importante ao mesmo tempo. Espero encontrar algum resquício de paz, ainda que seja apenas na tentativa de salvar Khaye desta guerra – a qual todos pressentem, porém, não desejam admitir.
Ontem, um soldado tentou me colocar contra o meu pai, falando que era covardia da parte dele negociar-me em prol do povo. Contudo, eu acredito que poupar várias vidas ao barganhar apenas a minha é uma forma ainda mais nobre de coragem. Talvez se eu soubesse de sua negociação, teria insistido para que fosse feito. Agora, rogo para que os deuses me protejam do que virá, mesmo que os rumores sejam tão desagradáveis quanto os ventos oriundos do Leste.
Leste. Para onde vamos agora. Onde encontrarei meu destino profetizado pelas estrelas no instante do meu nascimento. O que espero deste casamento precipitado? Confesso que o pior. Os espíritos parecem me sussurrar os males do porvir. E eu acredito em seus murmúrios. Já me foi dito que meu futuro marido odeia magia e que, portanto, deverei abandonar meus dons. Típico comportamento de um yoruita*. Para o imenso azar deste crápula, não se pode abandonar um traço de sua essência, algo que lhe é dado no momento do seu nascer. A magia é parte de mim, do meu primeiro ao último suspiro.
Se ele tiver a audácia de me proibir de praticá-la, fá-lo-ei às escondidas. Não serei subjugada. Mesmo que meu corpo esteja condenado, minha alma, minhas habilidades e minha mente ainda são apenas minhas.
E estas, eu me recuso a entregar sem lutar.
***
Nossa pequena comitiva atravessa o reino sem maiores problemas. Parece que nenhum saqueador ousa mexer com os guardas de Samad, ou com a carga que em breve lhe será entregue. É trágico pensar em mim desta forma, mas não deixa de ser verídico. Sou uma carga, um objeto. Algo a ser deslocado e estocado em um castelo.
— Não devia ficar tão triste, menina. Você logo será rainha disso tudo — Ambra repete, na tentativa de me alegrar. Eu esboço um sorriso, mas não respondo. Sei que serei rainha de um reino em expansão, mas por que me sinto caminhando em direção à morte?
Até então, somam-se cinco dias de viagem, nenhum de descanso. Meu corpo dói, minha boca está seca, não vi nenhum rosto conhecido além do de Ambra. Acredito que ela me acompanhará até o momento dos meus votos e depois regressará ao reino de meus pais. Faz parte do acordo que eles não venham a este reino feroz, que não participem da cerimônia. Isto me parece errado. Casar sem nossos costumes, sem sequer haver a presença deles. Entristeço-me ao recordar, entretanto, sei que se eles viessem, não regressariam com vida. Sinto por Ambra, por sentir que ela também não chegará à Khaye novamente. Seria muita sorte se o fizesse e, nestes prelúdios de guerra, a sorte é algo raro.
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Relíquias de Aether: A Guardiã (DEGUSTAÇÃO)
FantasySinopse: Aether, um reino antigo, o berço da magia. Lugar que já passou por inúmeras batalhas. Porém, a maior delas permanece um mistério: a Grande Tempestade, ou na língua antiga, o Ezjah, responsável por unificar os doze reinos. Oito anos antes...