A realidade

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O mundo nunca foi uma utopia, longe disto.

Desde quando era criança já vivia com o chip no meu crânio, ele nunca manipulou minhas ações, mas a minha percepção de realidade. Não era um robô na mão do Estado, isso nunca ocorreu, pois fora eu quem decidiu todas as escolhas dessa vida. Porém não eram as escolhas que esperava.

O que aconteceu com Metrópole, tão viva cidade, limpa, organizada; agora um recanto escuro a sombra dos enormes prédios empresariais, fétida, como uma poça de esgoto puro e com pessoas antes tão bem trajadas para tornarem-se mendigas.

Minha própria casa tornou-se irreconhecível, branca e límpida para um escuro encardido de paredes descascadas e imundas onde ratos e baratas dividem o espaço com meus pertences.

A comida? Misera rações porcas, nojentas como vomito e honrosas como uma lata de comida para cães, jamais fora torta de limão, bife acebolado, caviar, vinho tinto ou merengue de morango. Tudo isso processado para parecer tal.

Eu vivo agora um Mito da Caverna contemporâneo, nem mesmo Platão pensaria em tal ocorrência e se surpreenderia em como sua metáfora tornara-se a regra do mundo.

O Pão e Circo da Nova Era, controlado não por lutas de gladiadores que mantinham a população animada ou pão para nutri-la, mas implantes tecnológicos que sugam a realidade e vomitam uma falsa malha de utopia.

Poderia avisar os outros, mas quem acreditaria, sou um fantasma nessa selva de concreto, ninguém mais pode me ver, ninguém mais oferece um cappuccino ou um amigável bom dia.

E mesmo que liberte um deles, que bem estaria fazendo? Desfazendo a realidade que tanto amam; a vida que construíram nessa outra realidade, não ajudaria ninguém revelando a verdade.

Resta perambular pelo mundo como o mendigo que realmente sou.

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