❄ CAPÍTULO ÚNICO ❄

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Ela sempre amou o Natal.
Costumava ser o seu feriado favorito até o ano passado. Agora, deitada na cama, encarando o teto, Arabella sentia que aquela era uma das piores datas do ano. Era seu primeiro Natal sem ele. E isso estava doendo mais do que conseguia explicar, mais do que pensava ser capaz de suportar.
        Faziam seis meses que Rick havia morrido naquele maldito assalto, mas não parecia ter passado nem um dia. As vezes, ainda se pegava esperando ele entrar pela porta da frente, cantarolando sem muita afinação alguma canção e mesmo cansado do trabalho, do trânsito e das contas que não paravam de chegar, sorrindo para ela como em toda as vezes. Beijaria sua testa e cantaria o refrão de Arabella baixinho só para vê-la revirar os olhos, fingindo estar encabulada.
Sua mãe viria logo atrás e perguntaria ao marido como havia sido o dia, Rick mentiria pessimamente com um sorriso de canto. Os olhos claros exaustos, mas sempre brilhando. Ele costumava dizer que os problemas não importavam tanto desde que as tivesse, desde que ficassem juntos. Ele, a esposa e a filha. Tudo ficaria bem se isso não mudasse.
Só que mudou.
Seis meses atrás.
Um telefonema do hospital, policiais na porta de casa, Dorotéia chorando convulsivamente enquanto a filha indagava o que havia acontecido, tudo mudou. Ele morreu. Não estavam mais juntos. Nunca estariam. Como as coisas podiam ficar bem agora?
       Arabella secou a lágrima que surgiu no canto do olho e respirou fundo. Os fontes no ouvido, ecoavam a voz estática dele em uma gravação antiga. Do Natal do seu oitavo aniversário.
Amor, o papai vai se atrasar um pouco porque preciso ir buscar o Noel e...bom, o vovô também, mas chego a tempo para montarmos a árvore, beleza? Amo você, Bella. E guarde biscoitos para mim." ele dizia, o tom risonho. Agora, a garota até podia visualizá-lo sorrindo ao deixar aquela mensagem na caixa postal tanto tempo atrás. Quando quis salvar a mensagem naquela época não podia imaginar que um dia se tornaria sua única forma de ouvir a voz do pai. Quando criança, ela gostava de guardar as mensagens que as pessoas mandavam no Natal e caíam na caixa postal, para comparar com as dos anos seguintes. A medida que os anos passavam, ela ia deixando esse hobby de lado e aquela era uma das poucas mensagens de Rick que tinha. E sua favorita.

Amo você...guarde biscoitos para mim." a voz repetia. O barulho de carros passando ao longe, algumas vozes desconhecidas falando ao fundo, mas de todos os sons possíveis, só a voz dele importava. Só ela seu coração captava.
Uma lágrima escorreu. Dessa vez ela não pôde contê-la .
      Estava de pijama ainda e não havia saído da cama, lá fora o sol já começava a se pôr. Horas atrás a mãe havia desistido de tentar fazê-la descer para comer algo. Descer para quê? Para ver a árvore de Natal que Dorotéia tentou montar sozinha na tentativa de animar a filha, mas só piorou tudo? Pois Arabella viu a mãe chorar enquanto colocava enfeites e acendia as luzes brilhantes da fachada da casa. Não havia nada de brilhante nesse Natal. Nem um brilho real. Nem emoção, nem alegria. Só saudade. E isso, nossa, isso doía imensamente.
Não saiu do quarto para ajudar. Não quis fazer biscoitos de gengibre, nem ligar para os avós. Não atendeu as ligações dos amigos. Nem mesmo do Luke, seu melhor amigo. Tampouco a de Oliver, o amigo de Luke, o garoto por quem seu coração batia forte quando ela ainda não vivia só no piloto automático: respirando e sentindo falta do pai.
           Os cabelos loiros como o do pai, despenteados e os olhos fixos no teto, ela tentava não chorar... mais. Mas as lágrimas se tornaram inevitáveis quando virou-se para o lado e viu o pequeno Quebra Nozes em cima do criado mudo, e a voz de Rick ainda saindo dos fones e atingindo seu coração com fragmentações de saudade dolorosa e uma angustiante sensação de vazio.
No mesmo ano em que aquela mensagem foi gravada, Arabella ganhou aquele brinquedo. Um pequeno Quebra Nozes de plástico, brilhante e colorido, quase idêntico ao da animação que ela assistia todo Natal.

"Talvez quando der meia-noite, ele realmente ganhe vida e leve você com ele, Princesa Caramelo, para derrotar o terrível Rei Rato." o pai lhe disse, sorrindo por ver os olhinhos dela brilharem com o presente. Arabella o abraçou tão apertado. Ele cheirava a segurança, conforto, serenidade e colônia amadeirada e fresca. Ela cheirava a sonhos, inocência, doces natalinos e chocolate. Eram o perfume favorito um do outro.
      Aquele ano tiveram o melhor Natal de todos. Arabella ganhou uma casa feita de doces — artificiais — para o seu príncipe Quebra Nozes morar, os avós estavam lá, os primos também e o tio Bill, irmão da sua mãe, também com a esposa e o bebê ainda na barriga dela. Dorotéia deixou que ela usasse suas meias roxas listradas por baixo do vestido verde-claro.  Não era a combinação de cores mais harmoniosa, mas quem se importava com isso?
      Arabella havia passado o dia todo ajudando a mãe a fazer doces e decorando a casa. Quando Rick chegou com seu avô, montaram a árvore e a estrela que havia no topo era azul, sua cor favorita. Também era dessa cor o ramo de visco que o pai colocou no teto do seu quarto — não era visco de verdade, era de plástico, só que para ela não tinha diferença. Ainda era mágico e se a Princesa Caramelo beijasse o Quebra Nozes sob o visco, ficariam juntos para sempre, foi o que o pai disse a ela.
“Mas nada de beijar príncipes Quebra Nozes de reinos longínquos antes dos vinte e cinco, viu mocinha?" Rick falou, em um tom sério, antes de soltar um riso abafado quando a viu encarando-o com seus olhos verdes brilhando confusos. Ele a pegou nos braços e a colocou sobre o ombro. “ouviu, mocinha?" repetiu, rindo e girando com ela pelo quarto.
“sim, pai. Sim, eu ouvi, eu ouvi!" ela gritava, entre risos. "Eu ouvi."

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⏰ Última atualização: Jan 10, 2017 ⏰

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