Transtorno

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Escuto o barulho das cortinas balançando contra os janelões de vidro. Abro meus olhos, mais sonolenta que o comum, e coco meus olhos de modo lento. Senti-me na cama e olho as cortinas balançando-se por causa do vento. Percebo que já está de noite e fico assustada. Dormimos por tanto tempo assim? Olho para o Pedro. Esta dormindo profundamente. Porém, vejo que está vestido. Ele deve ter acordado para comer. Fico chateada. Ele acordou para comer, mas não me acordou e me deixou dormindo com fome.
Mesmo triste com a atitude, tento não me importar. Continuo encarando o rapaz que amo ao meu lado; seu rosto está mais relaxado por causa do sono e as mechas do cabelo estão super bagunçadas; sua boca está entreaberta e sua respiração esta pesada e longa. Está dormindo tão bem que prefiro não acordá-lo. Passo as mãos em meu cabelo, bagunçado e sem graça, e faço um coque alto e meio desajeitado com a minha presilha. Algumas mechas teimosas caem na frente do meu olho, sou forçado a tirá-las e me estressar. Antes de me levantar, escuto um celular vibrando ao meu lado, em cima do criado-mudo.
É o celular do Pedro. Vibra duas vezes. Hesito em ver as mensagens. Olho para ele, que continua dormindo intensamente. Não seria tão ruim eu ver quem seria. Seguro o celular e vejo as mensagens na tela de bloqueio:

O nosso próximo jantar já está reservado no Olympe (rua Custodio Serrão 62, Lagoa)
Horário: 18:20
De: Fernanda

Poderia marcar o horário adequado para nós dois?
Horário: 18:21
De: Fernanda

Engulo em seco. Já escutei esse nome antes e mergulho nas minhas lembranças para tentar saber se já aquela mulher antes. Tudo que sei é que a mesma é uma das ex-namoradas do Pedro. Mas, pelo que já ouvi dela, ela foi uma das namoradas mais importantes para ele, pois foi ela que sempre o ajudou nos problemas da sua empresa.
Pedro é o mais novo herdeiro de uma das famosas empresas do país. Sua família tem um excesso de dinheiro na conta e nunca precisou "se matar" para estudar para o vestibular, como eu faço. Lembro-me quando minha mãe nos apresentou em uma festa de uma das empresas do seu pai. Estávamos lá por causa da amiga da minha mãe, que trabalhava lá como assistente geral. Na época, eu tinha uns dezoito anos e Pedro vinte. Conseguimos conversar sozinhos e nos damos muito, muito bem, a ponto dele me chamar para sair no dia seguinte.
Quem ficou mais feliz do que eu foi a minha mãe. Ela sempre desejou que eu e minha irmã procurássemos um cara rico o suficiente para nós sustentarmos. Alice sempre concordou com ela e seguiu seu conselho até a idade adulta; agora, a irmã mais velha está casada com Gabriel, um lindo rapaz de família classe alta, bem simpático e ainda tem um filho adorável chamado Miguel. Eu sou super diferente, por isso, não me dou tão bem com as duas. Para mim, devo seguir a minha Vida como eu quero para acabar me sustentando sozinha, com o meu dinheiro.
Apenas acredito que as mulheres conseguem viver sem os homens.
Levanto-me da cama e, lentamente, cato minha calcinhas e meu sutiã. Começo a vestir cada peça de minha roupa. O quarto dele é tão grande que consigo me perder entre o banheiro e o quarto. Entro no banheiro, já vestida, e encaro meu reflexo no espelho alguns minutos. Suspiro fundo, ao ver minha aparência cansada. Lembro-me do jantar que terei com minha mãe, seu marido e a família da Alice e não poderei me atrasar, mesmo querendo tanto.
Saio do banheiro e atravesso o quarto. Saio dali o mais rápido possível e desc.o as grandes escadas. A casa é muito grande para uma pessoa só viver. Seguro minha mochila escolar, coloco meu celular dentro da parte lateral da mochila, e finalmente saio dali.

***
Ao chegar à minha casa, sinto um tremendo alívio. Retiro os sapatos, coloco a mochila em cima do sofá e retiro meu sobretudo. Arrumo meu cabelo devagar e tento respirar adequadamente. Minha casa é muito longe do condomínio de Pedro, o que significa que tenho que pegar dois ônibus quando volto para casa. É difícil principalmente quando é noite.
Ouço vozes vindo da cozinha. Escuto a risada da minha mãe e as vozes do marido dela. Resolvo levantar-me do sofá com a minha mochila e minha jaqueta. Eles devem estar organizando o jantar que teremos com a família da Alice. Só de pensar que terei que vê-la novamente e, provavelmente, discutíramos na frente de todos, causa-me ânsia. Ando pelo corredor, em um modo cansado, e entro no meu quarto. Meu mundo predileto. Tranco a porta; jogo a mochila por cima da escrivaninha e coloco minha jaqueta no guarda-roupa. Resolvo ir logo para o banheiro. O que eu mais preciso é de um banho.
Após o tão aguardado banho, saio enrolada no meu roupão e senti-me na cama. Começo a organizar alguns livros dentro da minha mochila, refletindo sobre a mensagem que li no celular dele. Não sei se deveria ficar com ciúmes sobre o fato deles se encontrarem novamente; ela trabalha com ele, apesar de tudo, e foi muito importante em sua vida. Fernanda, sua ex, é elegante, inteligente, filha de uma família de classe alta e Ainda é herdeira. Ela é tudo que não sou. É por isso que sinto-me super insegura sobre isso.
Ele não me contou, que saco!
Faço um coque alto no cabelo, visto minha calça jeans, uma blusa de mangas cumpridas azul e um lar de sapatilhas preta que costumo usar em casa. Está fazendo muito frio nesta noite, por isso, decido deitar-me na cama e pegar meu livro recente que estou lendo. Uma literatura clássica de Machado de Assis.
Após doze minutos, ouço batidas na porta. Olho para trás e é Bárbara colocando apenas a cabeça na porta.
— Não vai descer? O jantar já está pronto e ela já está chegando. - diz, com um orgulho na voz.
Sento-me na cama.
— Não estou afim de jantar... Com eles. - respondo. — Vou jantar aqui.
Ela revira os olhos.
— Já tivemos essa conversa. Você vai jantar com a gente e ponto final! Largue de ser mimada, Anita.
— Não estou querendo ser mimada, Bárbara. Estou querendo evitar mais umas de nossas brigas. Aliás, eu nunca fui de jantar naquela mesa quando aquele ser estar lá ao meu lado.
— Que ser? Eu ou o Luís?
Os dois, talvez... Fico quieta diante de sua pergunta.
— Que se dane. Você vai jantar conosco, querendo ou não! - adverte, e doí-me a mínima conta de revirar os olhos. — E você nunca vai me chamar de Barbara não, garota?! Sempre será Bárbara para você?
— Por que chamá-la de mãe quando a última coisa que você não foi para mim foi ser mãe?
Eu me encaixo finalmente naquela conversa nostálgica. Fecho a boca e, no mesmo instante, vejo-a andando em minha direção e recebo um tapa na bochecha esquerda. O tapa "belo" que fez meu rosto virar para o lado.
Abaixo a cabeça e forço para as lágrimas não descerem. Apenas ponho minha mão em cima do machucado.
— Você nem sabe o que está falando. Graças a mim que ainda está vivendo aqui, então, cala a merda dessa boca. - ela sussurra, e só a vejo saindo do quarto lentamente.
Não sinto nada. Já recebi tanto tapas apenas por falar a verdade que já me sinto com a bela vontade de só dizer mentiras para não apanhar nesta família. Suspiro fundo e continuo encarando minhas pernas cruzadas, deitadas sob o colchão.
Infelizmente, se eu não for para a cozinha, significa que não vou jantar, e se não for jantar, ficarei com fome. Do mesmo jeito, terei que ficar cara a cara com Alice e sua família para cumprimentá-los. Levanto-me da cama e, antes de sair, checo minha bochecha esquerda. Não há sinal de que levei um tapa.
Meu celular vibra no criado-mudo quando me arrumo para sair. Seguro-o e checo uma mensagem:

Talvez Um DiaOnde histórias criam vida. Descubra agora