1 - Carta

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Cláudio entrou nos Correios e, com aquele movimento manco característico que rendera tantas piadas em sua infância, se dirigiu ao guichê. É dezembro e estamos perto do Natal. Nessa época do ano, crianças pobres, carentes e com aleijos em geral mandam cartas para o "papai noel" da instituição. Pra falar a verdade, não tem papai noel nenhum. São apenas pessoas que passam o ano inteiro fazendo coisas questionáveis e, para tentar se livrar da consciência pesada, dão presentes baratos para crianças necessitadas. O comércio da culpa é incrível, apesar de subestimado. Cláudio viu toda aquela comoção no jornal local e sentiu que precisava fazer alguma coisa. Ele adotou uma cartinha que dizia, com letras cheias de garranchos e nenhuma pontuação aparente, "Noel eu sou surdo e meu pai não pode comprar um presente eu queria muito um aparelho para o ouvido ou uma bola por favor papai noel realize meu desejo que deus te abençoe". Logo abaixo da carta, um desenho malformado que nem mesmo se esforçando por horas era possível compreender alguma coisa. Cláudio saiu dos Correios com a carta de Felipinho nas mãos, entrou em um táxi e rasgou a cartinha em uma dezena de pedaços. Cláudio deduziu que Felipinho era uma daquelas crianças pegajosas com um eterno cheiro de sujeira nas dobras dos braços e joelhos. Talvez, por ser surdo, ele nunca tivesse ouvido as instruções dos pais para que se lavasse direito. Cláudio jogou os pedacinhos pela janela e se sentiu um pouco mais leve.

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