5 - Ascensão

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Eu vivi uma vida ordinária. Acho que essa é a melhor forma de dizer isso. Rápido como um tirar um band-aid. Gosto da dor de saber que fui e amo o prazer de saber que já não sou. Hoje acordei com as pernas fracas e doloridas. Como quando temos aquele tipo de sonho em que caminhamos e caminhamos e caminhamos e caminhamos e, quando abrimos os olhos, estamos no mesmo lugar. Mas isso não impede o sentimento de fadiga. Me levanto da cama e antes que eu atinja o ápice do espreguiçar, paro de sentir o chão debaixo dos meus pés. Estou flutuando. Falto o trabalho com a desculpa de uma diarreia e não demora muito até que eu tenha pleno controle sobre minha nova habilidade. Estou girando no ar, desço e subo do teto ao chão, dou rasantes no quintal da minha casa. Tudo isso com a naturalidade de um desenho animado da Disney. Pouso no telhado e olho para cima. Até quão alto eu posso ir? Com um impulso e uma breve dobrada de joelhos, estou sendo lançado para cima, como um foguete. O vento é gelado e arisco quando resfria a luz quente do sol. Eu deixei de ser eu quando olhei para baixo e vi a terra se afastando de mim e eu me afastando dela. Entendi que eu não pertencia a esse mundo e pareceu tão óbvio como dois e dois são quatro. Meu corpo perde impulso. Eu devia estar parado, mas o vento bruto me joga para todos os lados. Eu caio.

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