Algo de mim

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Eu sou uma criatura da noite, sempre me senti bem na escuridão. Gosto da sensação de paz e perigo iminente que ela me traz. Durante milhares de anos humanos combateram a escuridão, lutaram contra ela usando seu intelecto. Inventaram lampiões, lamparinas, lanternas, energia elétrica e lâmpadas que hoje iluminam as cidades, fazendo inclusive com que algumas delas sejam vistas do espaço, tudo isso graças ao medo das trevas, do desconhecido, graças ao desejo de conhecer os mistérios que se escondem depois da próxima curva escura.

Minha primeira lembrança da infância é de uma noite onde ficamos sem energia e o breu tomou conta de todos os cômodos. Como eu achei aquilo mágico, espiar pelas janelas e só consegui observar a grandiosidade da escuridão. Lembro do olhar da minha mãe, tão aterrorizado e amarelo sob a luz bruxuleante da vela que segurava em suas mãos, como se disso, literalmente, dependesse a sua vida. Aquela vela, em verdade, era seu porto seguro, o que lhe trazia conforto, fazia com que seus olhos pudessem olhar para os lados e ver-se em um local seguro, era o que lhe permitia dizer a si mesmo 'vai ficar tudo bem". Minha mãe era uma mulher muito positiva, sempre esperava o melhor de tudo. Acho que isso definiria ela, esperar o melhor...

Algumas vezes me pego sentada na sala apenas observando pela janela o vazio e a escuridão da noite, sinto a solidão me preencher e me absolver. Fico lá apenas observando os pequenos movimentos noturnos, ouvindo o farfalhar das folhas, as luzes dos carros distantes em movimento como estrelas descendo em uma corredeira, ouvindo os sons distantes clandestina envolta em minha mortalha de sombras. Vejo tudo e ninguém me vê, assim como faria uma predador. Eu sou uma predadora. Uma leoa que corre pela savana buscando algo em que possa cravar suas presas. Buscando alguém que ameace meu reinado. Buscando algo depois da próxima curva escura.

Neste ponto já devo ter-lhe assustado, deve estar pensando que sou algum tipo de maluca que se veste de vampiro e corre pela cidade bebendo vinho e procurando desesperadamente Lestat ou Conde Drácula. No entanto sou uma mulher normal, dessas que você encontra as centenas na rua. Apenas aprendi a jogar, talvez instintivamente, antes mesmo de saber ao certo que o jogo existia ou do que ele se tratava.

Muito confuso? Acho que primeiramente terei que explicar o que é o jogo antes de continuar minha história, apesar de ter certeza que você o joga, inconscientemente ou não..

Você já saiu com uma pessoa que lhe deu toda atenção e carinho, que fez sentir-se a única pessoa do mundo e depois lhe deixou esperando, horas, dias ou talvez semanas, uma espera agonizante e dolorosa diga-se de passagem, até um próximo contato? Ou quem sabe conheceu alguém e a cada encontro descobria algo mais intrigante e assim como um bom livro de suspense ansiava pelo próximo capítulo? Talvez conheceu alguém que apesar de suas investidas bem calculadas, que quase nunca falham, só recebendo em troca silêncio, sorrisos amarelos, emoticons, breves respostas monossilábicas e assim por diante até que tudo em sua vida girasse em torno de conquistar essa atenção.

Mesmo que a sua resposta seja não para todas as perguntas anteriores, dificilmente você nunca tenha jogado ou tenha sido "vítima" do jogo. É algo normal. Assim como o pavão macho mostra suas plumas com olhos azuis hipnotizantes afim de conquistar uma fêmea, algumas espécies de pinguins juntam pequenos pedriscos para montar um ninho agradável para a parceira ou você trocar olhares intensos com a pessoa desejada. Pura e simplesmente o jogo.

Já deve ter percebido que adoro usar metáforas então voltando a elas, imagine o mundo como uma grande savana e todos estão lá lutando pela sobrevivência, alguns presas outros predadores, correndo, pulando, escondendo, agarrando, se entregando ao inevitável. Existe uma cadeia alimentar e alguns estão no topo. Eu estou no topo.

Pode parecer meio frio e insensível minha descrição, mas esse é o meu mundo o mundo onde vivi minha vida toda, o mundo onde vivo. Esperando, talvez, um dia finalmente me entregar ao inevitável como muitos outros antes de mim já fizeram. Se minha visão do mundo é certa ou errada só o tempo dirá.

Como disse anteriormente sou uma mulher normal, que passaria despercebida na maioria das situações, uma gota de água em um oceano de luxúria. No entanto, de certa forma, minhas percepções do jogo me tornaram mais atraente e me fizeram aproveitar de forma mais natural toda essa dança.

Se sou feliz de verdade?

Não sei ao certo responder, algumas vezes acho que no fundo sou doente e minto a mim mesmo. Já me interroguei algumas vezes sozinha, refletindo após uma taça de vinho, se sou egoista, ninfomaníaca, sadista ou como algumas pessoas, que realmente se tornaram irrelevantes com o passar do tempo, me dissera apenas uma mulher vulgar e cheguei a conclusão de que eu apenas gosto do jogo, gosto de ser desejada, gosto de deixar minha presa com o coração palpitante nos momentos que precedem o bote, gosto do olhar assustado e encantado que recebo quando está, já em meu poder,se entrega subjugada esperando o ato final.

Eu sou uma predadora, porém peço que não me julgue antecipadamente, que não me odeie por ser o que sou, por não lutar contra minha natureza, por me entregar de olhos fechados ao desejo e me deleitar nos pequenos prazeres que isso me proporciona.

Antes que me sentencie pelo meu crime eu rogo, humildemente, que vasculhe seu passado e seu coração, procure em cada olhar, cada silêncio, cada respiração, que destrinche cada minuto de prazer egoísta, em cada sentimento egocêntrico um traço meu. Se não me achares aceitarei de bom grado o que desejas para mim.

Se continuou lendo, acredito eu que, encontrou em você algo meu ou pelo menos lhe interessa o resto da história para que possa me julgar com o máximo de justiça possível, nesse caso preciso lembrar-lhe que apenas apresentarei o meu lado da história o que pode, em verdade, pender a balança ao meu favor, em todo caso já lhe adianto não sou uma má pessoa, mas às vezes tenho atitudes más. Em verdade, tenho coração. Coração que muitas vezes já foi assolado e machucado por peso na consciência, saudades ou arrependimento, mas esse é meu vício, meu jogo, meu crime e também meu castigo e não há nada que se possa fazer sobre isso. Espero que aproveite a leitura dos relatos que se seguem como eu aproveitei cada segundo vivendo-os e escrevendo-os.

Seria irresponsável de minha parte não avisar aos leitores puritanos, politicamente corretos ou apenas pessoas sensíveis que minha história, em alguns pontos, pode ser bem chocante, detalhista e explícita. Não pouparei detalhes ou descrições, porém como consolo garanto que somente eu e você saberemos que leu e gostou. Se isso faz sentir-se melhor prometo que guardarei isso em segredo. Um segredo somente meu e seu.

Não pretendo me ater a ordem cronológica, no entanto tentarei escrever as próximas paginas da forma mais verdadeira e sincera possível. Espero que quando estiver lendo-as tenha em mente que elas são parte de mim, parte da minha alma desnuda e totalmente exposta, entregue em uma bandeja esperando ser degustada por você. Espero de verdade que possa, da melhor forma possível, aproveitar um pouco do que vivi e experimentar lampejos dessas experiências.Não tenha vergonha do que sentir e não resista apenas entregue-se. Prometo que farei ser rápido e indolor.

                                                                                                                                                         Sinceramente Emília.  

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