Parte II

98 24 220
                                    


Mal ultrapassara a porta de ferro, e já saíra em disparada pela escada; as pontas dos pés dançando sobre os degraus, quais saltava dois a dois. Como Javis, minutos atrás, pulando-os, aquele sorriso largo dependurado no rosto.

Desta vez, não corria por alegria, como Javis. Nem sabia ao certo pelo que corria. Estava apavorado.

Aquelas palavras o atropelaram, antes mesmo que pudesse concluir sua frase, sem qualquer direito a defesa. Não conseguia mais pensar em nada. Resmungara algo, que nem mesmo ele compreendera, uma desculpa vazia, como um "com licença" ou "um minuto".

Estava confuso, atordoado, como se tivesse batido a cabeça. Bem forte.

Não sabia o que pensar, não conseguia pensar. Até o dado momento, tudo o que agia nele era puro instinto. E odiava aquilo, não ter controle sobre si mesmo.

Talvez Javis também estivesse assim, atordoado.

Já passara pela segunda porta, e não havia o mínimo sinal dele. Ainda estava lá em cima. Pôde ver a maneira que lhe olhou, naquele pequeno e infinito espaço de tempo em que ficaram calados, encarando-se. Aquele olhar de incompreensão, implorando por palavras. Implorando por respostas.

Como naquela noite, há pouco mais de um ano. Na primeira vez que dissera-lhe que o amava. Não só a ele como a qualquer pessoa. Fora o primeiro "eu te amo" a sair de seus lábios, naquele sentido de amar. Javis não respondera, apenas encarava-o, com aquele olhar caótico. Calado. Titubeou um "boa noite" e saiu, trôpego, abrindo desajeitado o portão daquele prédio branco.

Teria ele subido a escadaria para o seu apartamento, saltando os degraus dois a dois, como o fizera, agora mesmo?

Não sabia se era tristeza o que sentira aquela noite. Estava... Devastado. Confuso. Como um cãozinho acanhado, que não sabia o que fizera de errado para ser trancado nos fundos da casa. Ele não sabia o que fizera de tão errado.

Estaria Javis sentindo-se assim agora, do mesmo modo que sentira-se um atrás? Devastado, confuso?

Fechou a porta. Encostou-se na parede. Afundou as mãos no rosto.

Merda.

Um fino fio de culpa alfinetava seu peito. Não devia ter feito aquilo, deixado-o sozinho lá em cima. Mas não conseguia encará-lo. Não conseguia lidar com aquele par de olhos cercando-o, indagadores, perguntando "O quê? Por quê?".

O que?

O que mais agora?

Ele não sabia a resposta.

Não adiantaria voltar agora, de mãos vazias, com um sorriso amarelo, pedindo-lhe um tempo para pensar. Era o que deveria ter feito há dois minutos.

Agora precisava pensar.

Soltou o ar que guardava no peito. Deslizou a mão sobre o rosto. E andou.

Envolveu-se novamente naquele ambiente festivo. O saxofone havia, agora, sido substituído por uma voz grave e aveludada; pertencente à um homem elegante, trajado com um terno branco que contrastava com o tom negro de sua pele, cantando algum clássico de Frank Sinatra. Mas Jamie não prestara atenção. Tentava localizar, em meio àquela organizada multidão, um pontinho amarelo ou uma cabeça vermelha.

Emaranhou-se em meio a um grupo de mulheres, uma parede feminina, murmurando rápidos e indiferentes "com licenças" e "desculpes". Contornou um círculo de quase aposentados, reclamando da oscilação do dólar. Passou no meio de um brinde.

E finalmente avistou uma saia amarela pregada, do outro lado do cômodo. Ela estava apoiada numa das canelas finas, com um cara que a cada risada indiscreta a pedia para falar mais baixo, ma sem evitar rir junto. Um novato com uns dois anos mais a menos que ela, também baixinho e com cara de bebê. Não fixava seu nome nem fazia questão disso, era algo meio afeminado, Melvin, se não estava enganado. Nunca simpatizou muito com ele, passou a simpatizar ainda menos quando começou a andar com Holly. Dois idiotas.

EsquecimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora