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Percy acorda assustado. Mais um dos típicos sonhos de semideuses. Dessa vez, ele revivia as cenas da Batalha do Labirinto. Lembrava de quando voltou para o Acampamento Meio-Sangue, o ataque de Campe... Mas no sonho, ele sentia falta de alguma coisa. Algo não estava certo. Ele olhou a sua volta e viu uma sombra passando. Tentou encostar nela, mas a mesma se tornou sólida e apertou uma espada contra seu pescoço. Ele piscou. Algo era vagamente familiar no rosto da garota, mas ele com certeza saberia se tivesse visto aqueles olhos cinzentos antes. Eles definitivamente deixavam uma bela impressão. No sonho, Percy tentava se livrar dela, mas a garota estava sempre a sua frente, ou do seu lado, ou atrás dele, impossibilitando sua fuga. Percy parou para realmente olhar para ela e viu que seu corpo nada mais era do que fumaça, desaparecendo cada vez mais rápido. Seus olhos, antes desafiadores, agora pareciam somente tristes, o cabelo louro opaco e a boca curvada. Ele procurou sua voz e descobriu que ainda a tinha.
"Quem é você? Por que não me deixa ir?"
"Você não se lembra?' - dor de verdade passou naqueles olhos, e ela largou a espada, sentando no chão. Percy achou esquisito. Uma faca não combinaria melhor com ela? Ele tirou esse pensamento. Não a conhecia. E precisava correr. Mas não tinha coragem. Algo maior do que instinto o dizia para ficar ali e ajudar a menina, quase como... Quase como ele se importasse com ela. A menina pelo jeito era uma semideusa, e estava bem triste e assustada. Ele não tinha coragem de sair, não com aqueles olhos cinzentos sempre o olhando. Assombrando-o.  Ele virou a cara a tempo de ver a monstruosa Campe ser soterrada embaixo das pedras que o centimano estava jogando. Porém, quando desviou sua atenção para a menina, não encontrou nada além de um colar de contas velho e usado. Se levantou e percorreu o acampamento, que se encontrava paralisado no tempo. Ninguém se mexia ou parecia real. Ele via rostos, mas não os reconhecia. Não sabia nem para onde estava andando. As pessoas parecem fantasmas, ele pensou, e um arrepio o percorreu. Percy se distraiu enquanto observava a cena e deu de cara com um garoto bonito. Cabelo preto, pele pálida, magro e uns dez centímetros mais baixo que Percy. O garoto sorriu para ele, o que Percy pensou, o deixava mais lindo. O garoto deu uma risadinha e segurou a mão de Percy.

"Percy? Está tudo bem?" - ele perguntou, dando um risinho.

Percy estava hipnotizado pelo jeito como sua boca se mexia enquanto sorria. Foi cometido por um estranho desejo de beijar sua boca, e o fez. Para a sua surpresa, o garoto não o afastou. Pelo contrário, o puxou para mais perto e deu um tapinha na sua bunda, de brincadeira, e lentamente se afastou.

"Bom. Levarei isso como um sim.' - ele respondeu, dando um lindo sorriso.

Percy sentia que era isso o que ele procurava, o que faltava, o que em algum ponto da sua vida havia sido perdido.

"Me desculpe, mas... Quem é você?" - Percy pergunta.

"Engraçadinho. Sou eu, Nico." - o garoto, Nico, respondeu.

"Certo. Mas... Você é o que meu?" - Percy perguntou.

"Percy, você já fez piadas melhores. Sou seu namorado, obviamente." - ele respondeu com tranquilidade.

Percy abriu a boca para responder, mas engasgou com suas próprias palavras. E então acordou.

Acordou e deu de cara com Annabeth, dormindo tranquilamente ao seu lado, o cabelo louro espalhado no travesseiro e um sorrisinho, como se sonhasse com algo bom. Sorte sua, pensou Percy. Eu não tenho um sonho normal há dias. Percy se senta na cama e suspira. Dias. Faziam dias que ele sonhava com a mesma coisa, a única coisa que mudava era o cenário. Ás vezes era o Acampamento Júpiter, ás vezes o Olimpo, Alasca e até o Tártaro! Mas o sonho nunca mudava. Uma sombra, Annabeth, aparecia e o apontava uma espada. Depois sumia. Então ele vagava pelo acampamento até encontrar Nico di Angelo, seu amigo (embora os sonhos tentem mostrar outra coisa), e o beijar, incapaz de se afastar da sua beleza hipnotizante. Percy franze a testa. Nico nem é tão bonito assim, pensa ele. Annabeth se mexe do seu lado, se senta um pouco afastada de Percy e esfrega os olhos. Ela parece notar a expressão chateada de Percy e o olha, questionadora.
"Percy? Está tudo bem?" - ela diz, as palavras perturbadoramente iguais as de Nico no sonho.
Percy engole em seco. Era a primeira vez em semanas que Annabeth parecia preocupada com ele, não simplesmente irritada ou sarcástica.
Havia mais ou menos um mês e meio que as coisas haviam desandado entre eles. Em um momento estavam felizes como um casal normal, cursando o último ano do ensino médio juntos em Nova York, e depois... Eles começaram a ter as discussões mais idiotas que alguém poderia ter. Percy lembrava de quando eles estavam tentando decidir onde passar as férias da escola. Eles estavam em um restaurante para um almoço que deveria ser agradável, mas no final das contas foi horrível. Annabeth queria passar as férias no Acampamento Meio-Sangue, ele queria ir para alguma praia, ilha, que seja, e Annabeth começou a discussão mais estúpida sobre como ele nunca considerava suas escolhas, e que era óbvio que um filho de Poseidon iria escolher algum lugar envolvendo o mar e blá-blá-blá. No fim, Percy foi vencido pelo cansaço e deixou Annabeth o arrastar para o Acampamento.
Eles agora dividiam uma cama improvisada, que os campistas da chalé de Afrodite haviam insistido em fazer para os dois (segundo eles, o amor que eles tinham era lindo), mesmo Percy não tendo vontade nenhuma de dividir a cama com Annabeth no momento.
Percy morria de vergonha só de pensar no assunto, mas... A verdade era que Annabeth não... ahn, o atraía sexualmente. Toda vez que eles tentavam alguma coisa, Percy 2 não dava o ar da graça e Percy tinha que inventar alguma desculpa. Depois de um tempo, Annabeth simplesmente desistiu, e Percy ficou aliviado, embora envergonhado e confuso consigo mesmo. Por que não sentia tesão com sua namorada? Ela era linda, e eles estavam juntos há um ano e pouco.
Ele foi despertado dos seus pensamentos com Annabeth o cutucando.
"Não vai me responder?" - ela diz, já irritada. Maravilha.
"Desculpe, estava com a cabeça em outro lugar." - ele responde, já exausto. Ultimamente, Annabeth tinha esse efeito nele.
"Tanto faz. Se você quiser falar sobre o seu sonho, desembucha ou eu vou voltar a dormir." - ela diz, suspirando.
"Agradável como sempre, Annabeth. Não é como se você quisesse saber ou ajudar, então faça um favor a nós dois e volte a dormir antes que cause mais brigas." - Percy diz, massageando a têmpora com uma mão, como se isso fosse apagar o sonho.
Annabeth se senta ereta e encosta a mão na perna de Percy, que resiste ao desejo de se afastar.
"Ouça, desculpe, mas fazem dias que eu não durmo direito porque você acorda com esse sonho, então é compreensível que eu esteja um pouco mal-humorada, ok? Enfim. Se quiser conversar, a oferta está de pé." - ela fala, esboçando um sorriso da antiga Annabeth.
Percy considera a oferta por um tempo, abre a boca para responder mas para.
"É só um sonho estúpido." - ele responde, cabisbaixo.
Annabeth parece perceber sua expressão e chega mais perto do namorado.
"Eu estou nele?" - ela pergunta, usando a tática de ir de mansinho para descobrir as coisas.
"Sim. Mas eu não te reconheço no sonho." - Percy responde, tão baixo que Annabeth quase não ouve.
"Ok. E eu te machuco ou algo do tipo?"- ela pergunta.
"Aponta uma espada para o meu pescoço, mas não chega a fazer nada. E então desaparece." - Percy responde.
"Desapareço? Hum... E depois?" - ela pergunta, a curiosidade vencendo.
"Não quero conversar sobre depois." - Percy fala, sério, e volta a deitar.
"Uma hora você vai precisar." - Annabeth cantarola, e também volta a deitar.

Gritar que nem um bebê não estava nos planos de Percy. Mas a vida é cheia de surpresas, não? Ele estava dormindo, um sono tranquilo, e o melhor de tudo, sem sonhos, e acordou com um barulho. Ao abrir os olhos, se deparou com centenas de olhos o observando. Era Argos, o chefe de segurança. Foi aí que Percy gritou.
Argos se afastou com uma expressão que dizia que ele tentava segurar o riso, e Percy levantou da cama com um pulo, tentando recompor a postura.
"Hum. Oi." - Percy fala, constrangido, enquanto se desvencilha do lençol preso no seu pé.
Argos aponta para uma figura na porta. Frank.
Percy enfim se livra do lençol e anda até Frank, que o recebe com um abraço de mamute.
"Percy! Que bom te ver, cara!"- ele diz, sorrindo.
Percy sorri de volta. Era bom ter um rosto amigo por perto, de preferência um que não aparecesse nos seus sonhos toda noite. Era um problema andar pelo acampamento e sempre ver Nico di Angelo, que parecia se esforçar para o ignorar também. Nico havia admitido que por um tempo havia sido a fim de Percy para ele e Annabeth, e até disse que tudo já tinha passado, mas uma parte de Percy achava que não. Não que isso importasse.
"Oi, Frank! Que saudades, cara!"- Percy responde, dando um aperto de mãos com Frank.
"Não é? Eu, Hazel, e Reyna viemos passar duas semanas aqui. Sabe como é, para relembrar os velhos tempos." - ele disse, tentando parecer animado, mas dava para ver um tom de tristeza por baixo da sua voz. Não ia ser a mesma coisa sem Leo.
"Maneiro. Bom, ahn, eu vou trocar de roupa, se quiser me esperar, tem uma cadeira ali, e..." - antes de Percy terminar, foi interrompido por Frank.
"Percy, seu safado! Você e Annabeth já até arrumaram uma cama de casal aqui? Você não perde tempo, hein?" - ele diz, rindo, mas parece perceber o desconforto de Percy e para.
"Percy?" - ele pergunta.
"Hum. É só que... Nós, meio que..."- Percy tenta falar, mas acaba se enrolando com as palavras.
Frank se senta em uma das cadeiras do chalé e Percy senta em outra enquanto tira a camisa do pijama e põem a do acampamento.
"Frank, você tem que prometer não rir de mim. Nem contar para Hazel."- Percy diz, os olhos verde-mar sérios.
"Hum. Claro."- ele diz, agora parecendo meio preocupado.
"É que... Annabeth e eu estamos meio que brigados. Há um mês e meio a gente começou a se desentender e se afastar. E mesmo com as nossas tentativas de reconciliação, eu não consigo, hum, ficar... Você sabe, com ela. Então nada rola, o que parece a deixar mais irritada. Não a aguento mais, Frank. E eu quero mudar isso, mas nada dá certo."- Percy conta, abaixando a cabeça na última parte.
Frank parece analisar a situação por uns segundos, e quando fala, põem a mão no ombro de Percy.
"Cara, eu realmente não sei o que falar. Annabeth e você são um casal lindo, além de alguns dos meus melhores amigos. Eu adoro vocês, e quero o melhor para ambos. Sendo assim, já pensaram em... dar um tempo? Talvez agora que nós não estamos mais sob a ameaça do controle de Gaia todo dia, as coisas tenham ficado meio paradas para Annabeth. Dê a ela um tempo para respirar. Para você mesmo também."- Frank fala, e ele soa tão sábio que parece o Buda, e Percy sente vontade de rir, mas assente.
"Obrigada pelo conselho, Frank. Você é ótimo nisso, pelos deuses." - Percy fala, dando uma risadinha que o lembra da de Nico no sonho, mas tenta afastar esse pensamento.
Frank dá um aceno com a cabeça.
"Vou encontrar Hazel, se me dá licença. Força, cara." - ele diz, e sai da sala.
Percy vai ao banheiro para lavar o rosto e colocar sua bermuda quando algo o chama atenção no espelho. Um recado, provavelmente de Annabeth.

"Ei, Cabeça de Alga, acho que encontrei a solução para os seus problemas. Clóvis do chalé de Somnu/Hipnos entende uma coisa ou duas sobre sonhos. Você deveria ir lá se quiser parar de acordar a noite gemendo. É, achou que eu não tinha ouvido?
Annabeth"

Percy suspira enquanto joga o bilhete fora. Só você mesmo, Annabeth, ele pensa, enquanto sai em direção ao chalé de Hipnos.
Isto é, antes de esbarrar no próprio Nico di Angelo e cair em cima do garoto no chão. Que dia.

Sempre foi você - PernicoOnde histórias criam vida. Descubra agora