Capítulo 1

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O dia agradável acabou por surpreender os desavisados, com uma chuvinha fina, que parecia ganhar força a cada minuto. Em frente a minha janela, eu observo um rapaz que se mudou recentemente. Sempre que o vejo, ele está pintando algo. Às vezes flores, outras vezes paisagens e raramente rostos de pessoas desconhecidas. Ao menos pra mim. Eu gosto de vê-lo pintar. Procuro entender como de misturas tão diferentes, ele consegue tons quase inacreditáveis. Um roxo com azul, que sai quase púrpura cintilante. Um amarelo com rosa, que mais parece a pele macia de um bebê; e a minha favorita: azul com verde, que forma quase a visão de uma aurora boreal bem diante dos meus olhos. Quando termina suas obras, ele as coloca na varanda pra secar. É quando posso acompanhar um sorriso amarelo surgir em seus lábios, sempre que ele me vê. No entanto, relacionamentos amorosos não estão nos meus planos no momento. Meu trabalho me faz prezar a segurança daqueles com quem ainda me importo então, não me dou o luxo de me prender a ninguém. Confesso que suas pinturas me acalmam quando meu dia está estressante. E hoje, promete ser muito estressante.

Eu continuo a observá-lo, enquanto tomo meu chá de camomila com leite, e levo um segundo pra perceber que o bipe vindo do meu computador, indica a chegada de uma nova mensagem em meu e-mail. Meu tempo acabou. É hora de voltar pro trabalho. Afasto-me da janela e me aproximo da tela repleta de novas informações. Respiro fundo e estreito meus olhos, a fim de me concentrar no que é preciso ser feito. Meu trabalho é pouco comum ou conhecido, eu acho. Eu procuro por falhas de transmissão de dados criptografados. Códigos impressos nesses dados, são importantes pra evitar entre outras coisas, espionagem de informações. Eles podem ser subliminares e passarem despercebidos pra quem não entende seu real valor na Tecnologia Digital. Às vezes uma simples carta, sms via celular, ou até mesmo uma linda música podem conter trocas de informações preciosas. É difícil de acreditar, mas é verdade. Tudo começou no último ano do colégio, quando participei de uma feira sobre Tecnologia Digital.

Cada grupo que era formado no máximo, por até seis pessoas, recebeu um panfleto explicativo. Três páginas diziam o que deveria ser feito. O trabalho consistia na análise de informações trocadas entre dois departamentos da cidade de Nova York. O grupo que conseguisse descobrir a falha na comunicação, que culminou na prisão de um jovem de 17 anos no Brooklyn, levava um prêmio de vinte mil dólares pra ser dividido, e a garantia de estágio em uma empresa na área de Tecnologia. O prazo foi de um mês, e em pouco tempo, observei os grupos diminuírem até só sobrarem três. Eu nunca fui boa aluna, e não me dava bem com praticamente ninguém; inclusive daqueles que faziam parte do meu grupo. Apesar de nos reunirmos todas as tardes por duas semanas, e acompanhar os esforços que eles realmente faziam para encontrar a solução, eu não me arriscava a dar um palpite. Não era por medo de ser rejeitada, era por que eu não dava a mínima mesmo. Após perder meus pais quando era criança, minha guarda ficou por conta do meu padrinho, Tom Parker. Nós sempre nos demos bem, mas eu vivia inconformada com suas regras. Por isso, há dois anos fizemos um trato: eu terminaria o colegial, e em troca eu poderia ganhar o mundo. Hoje com 18 anos, reconheço que estava quase no fim da minha caminhada, por tanto, não era difícil aturar as duas patricinhas e os quatro babacas do meu grupo. Numa tarde chuvosa como a de hoje, uma das patricinhas de cabelo liso na altura dos ombros, e um batom vermelho sangue, jogou o folheto explicativo em meu colo; enquanto eu lia Ana Karenina. Seu nome era Alex. Só descobri isso uma semana antes, quando um dos rapazes, de nome Daniel, se aborreceu quando ela deixou cair refrigerante em suas inúteis anotações sobre o caso.

- Estamos nisso há mais de duas semanas, e você não disse uma palavra. Será que dava pra se esforçar um pouquinho? - ela cuspiu com um risinho debochado, e por um segundo pensei em borrar o vermelho de seu batom pelo resto do seu rosto, enterrando a mão nela. Hoje fico feliz de não ter cometido esse bem pra humanidade. Seu cinismo foi sem dúvida o resultado do meu ganha pão. Eu fechei o livro com raiva, me endireitei na cadeira e comecei a ler o que estava escrito com muita atenção. As palavras não faziam sentido juntas, mas se as alternasse entre uma frase ou outra, era possível você encontrar uma sentença inteira que fosse coerente. Era preciso ver nas "entrelinhas".

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