Contracorrente

Capítulo 2

Entramos no galpão somente pra trocarmos de veículo. Apesar de suas intenções indicarem que Martin quer me ajudar, há algo muito vago nele, algo que me incomoda. Seguimos de volta pra estrada e estou esgotada, tanto emocionalmente, quanto fisicamente. Eu não durmo há horas, e embora tente ficar desperta, não consigo evitar que o sono me arraste, me deixando totalmente vulnerável. Não tenho mais forças, no entanto, e só penso em ainda estar viva, quando chegarmos até onde Martin nos leva.

Já é noite, quando desperto com a porta do carro batendo. Martin me ajuda a sair do veículo, enquanto forço meus olhos a se focar ao que está ao meu redor. Um velho chalé no meio do nada, que parece não receber nenhuma visita há anos, e nem sinal de vizinhança ao redor pra contar história. Se ele tiver intenção de me matar, não terei muitas chances de escapar. Eu não evito o pensamento por um segundo.

Entramos na casa, e não posso negar que ela é aconchegante, ainda mais com o frio do lado de fora. Embora o local não aparente acomodar ninguém ali há algum tempo, não há sinal de poeira ou vandalismo. Ao contrário, o cheiro de flores que ocupa o ambiente, demonstra que a casa esteve sendo limpa pra acomodar quem ali chegasse. Nós.

— Vai ter que servir ao menos por enquanto. Está com fome? — Martin indaga jogando as chaves sobre o criado mudo, enquanto ainda observo o lugar com desconfiança, e um sorriso de lado aparece em meus lábios.

— Morrendo. — eu respondo, seguindo-o na direção da cozinha. Ele retira algumas coisas da geladeira e minha intuição de que ele já tinha se preparado pra isso, reaparece com toda a força. Ou ele já morava ali, ou sabia com antecedência que ficaríamos ali por um tempo. A segunda opção, ganha espaço em minha mente e analiso tudo com muito cuidado. Ele prepara alguns pães com alguma pasta, e em seguida dois copos de suco, enquanto fito-o curiosa por um momento.

— O quê foi? — ele indaga incomodado, quando percebe meus olhos fixos nele mais do que deveria.

— Como conheceu minha mãe? ­— eu pauso por um instante, mas antes que ele me responda, mais questões saltam da minha boca sem controle. — Como ela era? Por que você lhe devia um favor? — eu paro de falar, sendo interrompida por ele, que se aproxima de mim com cautela.

— Ei, ei! Vamos com calma, está bem? — ele solta na tentativa de me acalmar, enquanto nos sentamos à mesa, onde ele esquece a bandeja com as guloseimas por um pouco.

— Sua mãe era uma das melhores agentes que a Inteligência já teve. Você é tão bonita quanto ela, Elena. — sua voz soa admiração, e me retraio um pouco com seu elogio. Não foi difícil prever que tipo de sentimento ele nutria por ela.

— Você a amava, não é? — eu pergunto serenamente, embora ele não se sinta incomodado em responder.

— Era difícil não se apaixonar por ela, mas a verdade é que ela só tinha olhos pro seu pai. Nunca houve nada entre nós, se é o que quer saber — ele diz ao se levantar, carregando a bandeja na direção da sala, enquanto o sigo ainda mais confusa.

— Você conheceu meu pai? — as coisas pareciam não fazer mais sentido nenhum em minha mente. Pessoas que eu só ouvia falar em histórias de quando eu era criança, agora ressurgiam como elementos que podiam mudar todo o rumo da minha vida. Tudo o que eu pensava a respeito dos meus pais estava a ponto de desmoronar. Se o meu padrinho sabia de toda a história do meu passado, por que não me contou? Será que era mais um a fazer parte de toda essa loucura, em que acabei por me meter? Eu não conseguia preencher as lacunas de um passado perdido. Martin me lançou um olhar intrigado, quando percebeu que meus pensamentos ferviam em minha mente sem nenhuma resposta plausível.

— Não pessoalmente. Mas sei que sua mãe não queria você perto dele. — ele disse firmemente, depositando a bandeja numa mesinha de centro, enquanto voltávamos a nos sentar pra comer. A lareira era aconchegante e maquiava o frio que entrava sorrateiramente por pequenas frestas nas telhas de madeira.