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Foi a milhares de séculos atrás quando nasci. Surgi do primeiro véu negro que cobriu os céus, naquele instante quando o sol desapareceu entre as montanhas lestes.

Vivi tempo suficiente para me tornar uma figura esquelética coberta de um manto ébano carregando um foice sedenta de almas. Vivi tempo suficiente trabalhando para os humanos, levando almas inocentes pelos seus próprios interesses egoístas.

Então, nestas vastas eras, todos me viram — e ainda vêem — como um ser tenebroso, maléfico e hediondo. É irônico sabe? Quando os humanos culpam a mim para encobrir os próprios erros, quem é o vilão agora? Além do mais, quanto mais longe vós pensais que estou, mais perto estarei.

No entanto não é neste ponto onde desejo chegar. Acontece que nessas  longas eras já apanhei almas por diferentes motivos: assassinatos, suicídios, doenças, causas naturais. E nenhuma delas causou algum impacto em mim e nas diferentes formas que já assumi nessa jornada.

Ao menos foi o que imaginei. Toda a minha percepção e conhecimento sobre a humanidade tornaram-se banais depois que a conheci. Ela não tinha nenhum problema em particular, apenas uma doença.

Um motivo qualquer tu não achas? Entretanto, penso ser uma boa história para contar-lhes e fazer-me lembrar da doce Katharine Dallas.

Era uma manhã de quarta-feira. Um tempo nublado e tristonho ameaçava encharcar as ruas de Portland. Numa das diversas casas com dois andares, tingidas de cores já desbotadas e janelas com indícios da chuva pronta para vir, estava sentada sobre o parapeito opaco uma garota.

A rapariga encarava indiferente — ao menos do lado de fora — as crianças correndo ou jogando bola. No geral tinham algo que aquela menina não. Diversão, liberdade e principalmente, alegria.

— Kath! Dr. Palms está aqui, desça!

Katherine, primeiro ignorou, sem tirar os olhos daqueles sorrisos inocentes porém logo cedeu. Levantou do parapeito, caminhou para fora do quarto, desceu o lance de no máximo dez degraus e encontrou os jovens olhos verdes de seu médico.

Palms dá um belo sorri mostrando os brancos dentes perfeitamente alinhados junto de sua simpatia juvenil. Ele se aproxima de Kath conduzindo-a até uma cadeira, onde a garota se sentou.

— Como vai Kath? — Palms questiona enquanto tira da bolsa um estetoscópio.

— Normal...

Ela ajuda seu doutor levantando a blusa negra que vestia. Palms pousou o objeto metálico gelado sobre o peito branco fantasmagórico de Katherine. Ordenou que a garota respirasse e expirasse como todo os procedimentos comuns.

Palms rodou pela cadeira colocando novamente o objeto nas costas, um arrepio gelado percorreu pelo corpo da jovem. O médico voltou a guardar seu estetoscópio sorrindo novamente, no fundo Katherine e eu sabíamos ser uma mistura de pena com esperança.

— Está tudo em ordem — Ele diz agarrando sua maleta pela alça. — Tens tomado sua medição corretamente?

— Parece que não estou? —  A garota rebate.

— Katherine!

Katherine visualiza a mãe com o canto do olho, cruza os braços e a risada divertida do médico chama-lhe a atenção. Ele ajeita seus fios cor-de-fogo para poder ver melhor a paciente na sua frente. A garota fita o chão esperando por um resposta de Palms.

— Não, mas sou teu médico e desejo saber como tu estás.

Kath suspira fundo e levanta seu olhar, encontrando as íris esverdeadas do médico, preferia chamá-lo de Gregory.  Ela sorri confirmando aquela pergunta anterior fazendo seus lábios rosados se curvarem num sorriso satisfeito.

Palms guardou suas coisas numa maleta negra jazida sobre a mesa de granito da cozinha. Deu uma última conversada com a mãe de Katherine num tom tão baixo que a garota não pode escutar. Logo o médico voltou na direção dela, depositou um beijo em sua testa e saiu da casa.

Katherine levou seus dedos sobre sua testa, sentido uma leve umidade deixada pelos lábios do médico. Não conteve um sorriso, ah sim, havia entre eles um certo... Como os humanos dizem? Química! Palms afinal, não era tão mais velho que a garota.

Virou-se para sua mãe, está carregava um sorrisinho de lado. Em sua cabeça passava uma frase: "eu vi este teu sorriso". Katherine riu abobada rolando as íris acastanhadas para sua mãe " imaginativa". Sentou no banco alto dando goles no leite com mel recém feito pela mulher. Estava do jeito que gostava, doce na medida certa.

Deslizou os orbes pela cozinha até que os mesmos pararam sobre o relógio do microondas. Estava atrasada para escola. Deixou sobre a mesa sua bebida fazendo sinais para mãe por estar com a boca cheia.

Ela virou, arregalou os olhos e agarrou pela alça sua bolsa e as chaves do carro. As duas foram para fora caminhando ligeiras na direção da Toyota, embarcando no mesmo. Anastácia, mãe de Katherine, acelerou o veículo pois sua filha nunca se atrasou para a aula.

"Não será hoje que acontecerá" pensou ela enquanto ajustava o retrovisor.

Passados alguns minutos Katherine chegou no colégio tumultuado de alunos do lado de dentro e vazio do de fora. Deu um beijo estalado na bochecha da mãe e saiu às pressas mas com moderação devido sua doença.

"Poucas coisas podem causar grandes estragos" concretizou a jovem referindo-se a sua doença.

Adentrou os corredores do colégio, não havia chegado atrasada. Deu salve as pessoas conhecidas — que eram quase todas — como educação enquanto andava na direção de seu armário.

3-B. Era o que dizia uma pequena placa colada na porta azulada. Katherine abriu o armário, sorriu com algumas fotos de amizades coladas na porta e procurou seus livros no interior da caixa de metal. Enquanto isso — ainda com meu corpo daquela época — eu chegava mais perto dela.

— Com licença, Katherine Dallas?

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⏰ Última atualização: Mar 05, 2017 ⏰

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