—Também é estranho, mas posso aceitar...—Desviei o olhar para o chão e ficamos ali, no mais absoluto e constrangedor silêncio.
—Mas, vai me levar para a escola? Por favor...—Uma luz percorreu seus olhos lilás e eu me lembrei que ela era uma ameaça para mim, e a gente não dá brecha para morrer, né?
—Olha...—Tentei soar o mais gentil o possível —É complicado, você não tem documentos e não faz ideia dos nossosite costumes! É impossível te matricular em uma escola.
—Não é não. —Ela respondeu assim que eu terminei de falar e se virou para mim —Me deixe falar com as pessoas! Eu consigo uma vaga.
—Não sei se é uma boa ideia...—Senti a orelha coçar, isso era um mal sinal —Você pode acabar se relevando.
—Não sou idiota. —Ela colocou a mão na minha cara, de forma um tanto quanto estranha. -Me leve a esses tais de documentos que eu irei falar com eles.
Eu revirei os olhos e apoiei a cabeça nas mãos.
—Você não fala com os documentos, idiota, você fala com quem cuida dos documentos.
—Por que? Por acaso os documentos são mudos? Eles também podem se expressar.
—Não é isso...—Suspirei— Documentos não passam de papéis, e papéis não falam.
Ela segurou a respiração e ficou vermelha.
—Eu sabia, estava só brincando...Você não tem senso de humor!
—Não vou discutir com você! Calce um sapato e vamos logo, antes que meu tio chegue.
—Esta bem! —Ela se virou e foi andando até o quarto da pesca, mas parou na porta e olhou para mim com as sobrancelhas franzidas. —O que são sapatos?
Coloquei uma almofada do sofá na minha cara e dei um grito abafado, eu realmente esperava que não fosse uma longa estadia.
—Você coloca no pé, para...Sei lá! Só coloca no pé. —Ela me olhava com os olhos arregalados.
—Ah, sim. Mas, como são? —Ela sorriu e eu apontei para os meus pés, mas ela pareceu não entender.
—Venha. —Segurei o braço dela e a puxei até o quarto que era dos meus pais, algum sapato da minha mãe devia caber nela.
Peguei um chinelo arrebentado que foi concertado com um prego, uma moda diferente, e coloquei no pé dela. Apesar das roupas simples ela continuava maravilhosa, até o chinelo realmente parecia algo da moda.
—Isso incomoda, não gostei. —Ela começou a tirar os chinelos mas eu a impedi.
—Ninguém anda sem sapatos! Faça um esforço, depois arrumo algo mais confortável para você. —Ela fez um biquinho mas calçou o sapato novamente.
Saímos da casa e ela pareceu particularmente apavorada ao atravessar a ponte, e apesar de isso não ser legal, foi divertido vê-la tão preocupada.
Quando finalmente chegamos no porto ela caiu de cara no chão, e Deus me perdoe, eu ri muito. Começo a achar que eu tenho uma alma ruim.
Corri até ela e me ofereci para ajudá-la. Ela segurou no meu braço com as unhas, deixando marcas depois de alguns momentos.
O tempo inteiro em que andamos pelo porto ela foi o mais distante o possível do mar, o que eu achei curioso, porque ela tinha uma calda, era uma sereia...Essas coisas normais.
—Por que não chegou perto da água? —Perguntei quando deixamos o porto e entramos na área comercial.
—Não confio em você, por que te contaria isso? —Ela deu de ombros e voltou a andar.
—Caramba, como você é direta! —Eu ri — Aqui, nos gostamos de amenizar as coisas...Você deveria dizer algo como "Não acho que seja o momento de te contar", entendeu?
Ela parou de andar e me fuzilou com o olhar.
—Eu não deveria nada! Nunca mais me diga o que fazer...—Seus olhos expressavam uma raiva enorme, e os punhos cerrados apenas reforçavam essa ideia.
—Tá bom, desculpa, princesa. —Brinquei e ela arregalou os olhos de forma que eu achei que eles fossem saltar para fora do rosto. —Tô só brincando, calma.
Ela se virou de costas para mim, fazendo com que seu cabelo batesse na minha cara de forma quase como um chicote.
—Ai! Cuidado com esse cabelo! —Reclamei mas ela me ignorou e apenas seguiu andando.
Chegamos na escola e dava para ver que ela contia um sorriso. Coisa que eu não entendia! Jovens humanos sonham em sair da escola, e a menina peixe sonha em ir para a escola.
—Peixes na frente. —Abri passagem para ela que revirou os olhos e me deu uma cotovelada na barriga, ela definitivamente não tinha senso de humor.
A escola estava vazia, apenas o zelador limpava os corredores enquanto assobiava uma música que eu não conhecia.
Melodia foi correndo até ele e segurou em seu ombro, sorrindo.
—Com licença, eu gostaria de participar da escola. —Algo mudou em sua voz, algo que me fez ter vontade de ir até lá e aceitá-la mesmo sem poder.
O zelador largou a vassoura e a encarou com a boca aberta, assim como eu estava. Eu senti o sono me atacando, mas como eu sabia que era apenas efeito do feitiço dela consegui sair do transe.
—Melodia! Não é esse o cara dos documentos! —Ela tirou os olhos dele e olhou para mim confusa.
—Não? Então, onde ele está? —O velho zelador caiu no chão, sorrindo enquanto abraçava a vassoura.
—Me siga...E não fale com mais ninguém até te mostrar a pessoa certa. —Encarei o zelador e imaginei que ele teria problemas quando acordasse.
Ela concordou e foi na minha frente, saltitando.
Apressei o passo até chegar do seu lado e a segurei pela mão.
—Não se distancie, por favor.
Ela concordou e nós seguimos juntos até a secretaria. Demoramos bem mais do que o tempo necessário normalmente, e isso devido ao fato da garota não parar de fazer perguntas e cair no chão a cada meio minuto.
—Seria mais fácil você fingir ser cadeirante...—Murmurei nervoso em sua 10° queda.
—O que você disse? —Ela perguntou se levantando.
—Nada não. —Dei de ombros e voltamos a andar, dessa vez eu fiz com que ela se apoiasse em mim para não me matar do coração caindo mais uma vez.
Entramos na secretaria e eu senti o ar condicionado agitando meus cabelos.
Atrás da bancada de mármore uma senhora andava de um lado para o outro com uma pilha de papéis.
Me aproximei dela junto com a minha hóspede e fiz um sinal para que ela falasse.
—Boa tarde. —Melodia disse e a mulher se virou instantaneamente.
Não esqueça o votinho ;) E comente o que achou, vou adorar ler.
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Hospedando uma sereia
Fantasy[HIATUS INDEFINIDO] A vida de Leonardo sempre foi uma tragédia atrás da outra. Seus pais desapareceram, passa necessidades, vive com um tio alcoólatra e para completar nunca teve um desempenho escolar muito bom. Mas então aconteceu algo que o gar...