Prólogo

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O triângulo de madeira deslizou no tabuleiro. Uma onda de pânico se instalou pelo corpo da garota, que respirou fundo e não se deixou abalar. Sara pediu por isso e teria de ser forte para acabar o jogo. Não queria ser fraca, muito menos por causa de algo que começou por conta própria.

Encarou o tabuleiro com todas as letras e números necessários gravados na madeira. Deveria saber no que estava se metendo, mas tudo o que leu sobre o Ouija desapareceu da sua mente enevoada, só restava o pânico nublando seus pensamentos.

A seta deslizou lentamente sobre o tabuleiro com movimentos cautelosos, chegou no M e O, depois deslizou para R. O triângulo continuou se movendo, formando uma palavra. Sara tentou manter a calma quando o indicador deslizou para a última letra. Um E.

MORTE

Respirou fundo para continuar, sentindo uma pressão estranha no peito e querendo acabar logo com tudo.

— Posso abandonar o jogo? — Desta vez a voz saiu um pouco mais falha. A seta se moveu com rapidez, carregando a mão trêmula de Sara em um gesto brusco. Sim.

A garota ia puxar a mão, mas antes disso a seta deslizou para a letra M. Pausa. A e depois S. Sara continuou prestando atenção na movimentação do indicador e nas letras. Não soube reagir quando triângulo de madeira parou e ela formulou a frase.

MAS EU NAO VOU ABANDONAR VOCE

Ela soltou um grito abafado e chutou o tabuleiro para longe, ofegante. Estava à beira de vomitar, o estômago revirando enquanto tentava controlar as lágrimas. Levantou-se, trêmula, e correu escada acima. O pôr-do-sol pintava toda a casa de dourado.

Dias depois, quando uma semana se passou desde aquela partida, Sara ainda ouvia passos pela casa e sussurros no meio da noite. Revirava-se na cama sem conseguir parar de pensar do Ouija. Algo estava na casa e ela sabia. Sara se sentia culpada pela ideia de expor os pais a esse problema: jamais conseguiria se perdoar caso algo acontecesse com eles.

Sentou-se, respirando fundo e olhando fixamente para a parede. Ouvia sussurros, mas não conseguia discernir o que diziam; seriam quase inaudíveis se não fosse pelo silêncio da madrugada. Os passos pararam, mas os sussurros ficaram mais próximos. O sangue de Sara fugiu do rosto quando ouviu uma respiração no ouvido esquerdo.

— Estou te observando. Uma semana. — O sussurro tomou a mente de Sara como se as palavras saíssem de dentro da garota. Só que elas foram sussurradas ali, no ouvido esquerdo.

Sara virou a cabeça rapidamente e conseguiu distinguir uma ondulação de cabelos ruivos no meio da escuridão.

Num surto de adrenalina, ela saltou da cama e começou a correr em direção à porta. Uma luz estava acesa no corredor. Sara ainda ouvia risadas atrás de si, virou a cabeça para trás e teve o vislumbre de um vestido branco e os cabelos ruivos a seguindo.

Chegou até a escadaria que dava para a cozinha no primeiro andar. Ali também ficava a porta para o porão, onde precisava chegar para queimar a tábua Ouija. Sara firmou os pés no primeiro degrau, preparada para descer correndo, mas, quando ergueu o pé, duas mãos a empurraram e ela desabou sobre as escadas. O mármore branco atingiu o rosto, nariz, pernas e braços quando seu corpo rolou escada abaixo.

Sentiu o gosto metálico e morno de sangue na boca. Não conseguia respirar e raciocinar direito, pois tudo era uma confusão de cores escuras. Quando o corpo parou de girar, conseguiu ver os pés da mulher flutuando sobre os degraus da escada. Eles estavam ensanguentados, assim como o rosto da mulher fantasma.

Sara continuou imóvel, sem conseguir se levantar ou reagir à aproximação da figura demoníaca. O corpo formigava e doía, além do sangue que escorria pelos lábios. A aparição se aproximou, mostrando um rosto ensanguentado e um sorriso satisfeito.

Ela se abaixou e segurou a nuca de Sara, elevando o rosto da menina, mas a deixando imóvel aos pés da escada. Palavras vieram à mente de Sara e ela recitou com a voz falha.

Exorcizo te, omnis spiritus immunde, in mi nomine Dei Patris omnipotentis, et in nomine Jesu Christi Filli ejus, Domini et Judicis nostri, et in virtute Spiritus Sancti... — O vestido da mulher manchava cada vez mais com o sangue, enquanto Sara se concentrava em recitar o exorcismo. O calor emanava da ruiva, antes inexistente, mas agora como se pegasse fogo. Sara fechou os olhos, sentindo a mão fantasma se dissolver na nuca e o calor desaparecer junto com a entidade. Ficou inconsciente logo depois que a cabeça bateu com força contra o chão.

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