Autora: Bárbara Garcia
"Os pezinhos com meias brancas rendadas começaram a brincar de correr pela sala. Passaram pela mesa de jantar, por trás do rack da televisão e subiram na cadeira para alcançar o parapeito da janela do sétimo andar.
As meias brancas rendadas se sujaram quando os pezinhos chegara lá em baixo."
♦♦♦
O ônibus das 7:45 era a melhor opção para voltar do centro. O das 8:15 era barulhento e o das 7:10, cedo demais. Mesmo sempre lotado e sem lugar para sentar, se não estivesse chovendo, era uma viagem tranquila.
Ele estava de pé, observando a paisagem em movimento enquanto sua mente divagava. Os constantes encontrões e gritos entre o cobrador e algum passageiro irritado porque passou do ponto nem atrapalhavam seus devaneios.
Seu olhar começou a cruzar pelas pessoas sentadas e pousou sobre uma mulher, talvez um pouco mais nova que ele. De cabelos castanhos amarrados em um coque e calça jeans, ela passaria despercebida em qualquer outra ocasião.
A moça estava com fones de ouvido, ligados a algo dentro da sua bolsa. Os lábios dela se moviam, estava dublando o cantor. Na primeira pausa antes do refrão, Alan já reconheceu a música. A canção de mais de uma década atrás, que ele adora, sendo interpretada por uma desconhecida – nem parecia real, era um golpe e tanto do destino.
A cena foi menos desconcertante que o olhar que a mulher lançou ao perceber que Alan estava cantando junto com ela, hipnotizado pela situação.
Ela sorriu.
Ele tirou o celular do bolso da jaqueta, digitou alguma coisa com a mão direita, enquanto usava a esquerda para manter o equilíbrio. Entregou o telefone para ela,
"Também adoro essa música.
É a versão ao vivo?"
Os dois trocaram mais algumas mensagens antes dela registrar o número do seu telefone na memória do aparelho e devolver ao dono, a garota já que ia descer no próximo ponto.
♦♦♦
Alan chegou em casa quando já tinha amanhecido, esperava passar desapercebido e ir direto para o quarto. Conseguiu a façanha, mas calculou errado sua sorte ao ir até a cozinha buscar algo para comer. Sua mãe ainda estava lá, de vigília, mais furiosa ainda que quando ele saiu há dois dias.
Ela gritava, ele fingia não ouvir.
– Alan, me responde quando eu estiver falando com você!
– Ah, cala a boca.
– O que disse? Fala direito comigo! Espera teu pai chegar e eu contar pra ele que horas você voltou.
– Grande coisa!
– Queria tanto saber onde errei. Com quem você está andando?
– Não me enche, caralho! – falou, saindo da cozinha.
Estava atravessando a sala quando foi surpreendido.
– Oi, já está acordada? – falou ele.
♦♦♦
A tela do televisor iluminava o ambiente, nela, pessoas se moviam e sorriam em meio a uma explosão de cores e anúncios publicitários. O quarto era abafado e úmido. A única janela ficava de frente para o muro de uma loja, por isso nunca entrava sol. Era o melhor que eles podiam pagar desde que Alan saiu da casa dos pais.
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Faces Ocultas - Contos de Terror e Suspense
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