O Livro da Capa Preta

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                                                         O Livro da Capa Preta

          Na manhã seguinte, muito longe do velho ônibus chacoalhento, no quarto mais pequeno do apartmento número 804, oitavo andar, prédio mais alto, Nodnor, dormia um menino que completava doze anos de vida. Respirava pesadamente quando batidas na porta o despertaram de seus sonhos mais profundos:

 - Garoto! Acorda!  - soou a voz aguda e já conhecida da empregada, seguida pelo barulho estridente do aspirador que começara a trabalhar na limpeza da sala.

            Allan Corbet abriu os olhos vagarosamente, para que a luz não fizesse seus olhos arderem. Não era preciso; chovia pesadamente aquela manhã, e apesar de o relógio marcar sete horas, parecia muito mais cedo. Não havia sol e nem passarinhos nas árvores abaixo de sua janela.

 - Que ótimo dia para meu aniversário... – comentou melancólico para si mesmo, revirando os olhos ao ouvir mais pancadas na porta. Sentia-se feliz por trancá-la; houve épocas infelizes em que esquecia a porta destrancada e acordava com o aspirador de pó na cara, arrancando-lhe os cabelos castanhos revoltos.

            Sentou-se lentamente para que a velha cama não reclamasse com rangidos estridentes, perturbando ainda mais seus ouvidos que ainda se acostumavam ao barulho do apartamento. Tirou a calça de pijama branca de bolinhas azuis que usava para dormir desde os sete anos e que agora não passava dos joelhos ossudos, e colocou uma calça jeans surrada que pertencera ao seu pai. Pegou a primeira camiseta que encontrou no velho guarda fedido a produto de limpeza, uma vez que este serviu por muitos anos como armarinho na lavanderia, até que ficou muito velho e fora substituído por outro muito mais bonito e adequado à decoração do apartamento vitoriano.

            Abriu a porta do quarto espiando cautelosamente para fora, o aspirador continuava a soar alto na sala, e ele aproveitou para correr ao banheiro. Deu de cara com a porta trancada, e resmungou baixinho enquanto forçava a fechadura.

 - ESTÁ OCUPADO, IDIOTA! – berrou Anna, sua irmã mais velha. Allan achava incrivelmente curioso o fato de alguém ser tão inteligente, e ao mesmo tempo tão burro quanto ela. O aspirador começou a soar mais alto, e de relance Allan viu a sombra larga de Dona Maria se aproximar. “Ah não...” pensou ao correr de volta ao quarto, mas era tarde demais e ele não conseguiria entrar sem que ela o visse. Entrou então na primeira porta do lado direito, e fechou-a cuidadosamente.

 - Sai daqui agora. – disse a voz áspera de Roger, irmão mais novo de Allan. Roger tinha apenas oito anos, porém sabia se impôr muito bem perante os irmãos mais velhos usando sua infalível tática de ameçar um escândalo a qualquer momento.  Mesmo ciente do perigo, Allan fitou Roger severamente, tentando impôr algum respeito comum ao irmão mais velho, contudo o garoto retribuiu espreitando os olhos, e a tensão só acabou quando Roger foi até Allan e chutou  com força a canela do garoto.

 - ARGH! – berrou Allan, enquanto agarrava o colarinho camisa do irmãao e o jogava na cama.

 - SE VOCÊ NÃO SAIR AGORA EU VOU... – começou a berrar Roger, com a voz mais aguda que Allan já ouvira, contudo a canela do garoto doía intensamente, e isso já era o suficiente, pelo menos pela manhã. Cerrando os olhos, lançou um último olhar mortal ao irmão e saiu do quarto, fechando a porta rapidamente antes que Roger pudesse terminar a ameaça.

 - Até que enfim, hein! – disse a empregada por trás do garoto. Allan fechou os olhos com pesar, lamentanto ter sido pego no flagra. Lentamente virou-se  para encarar Dona Maria que mais parecia um sofá, vestindo flores da cabeça aos pés. Os olhos castanhos da mulher fitavam-no severamente, esperando explicações pela demora ao acordar.

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⏰ Última atualização: Jan 15, 2014 ⏰

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