Contos do Sol Morto I - Desertores

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Gideão era um homem sob pena de morte em grande parte das terras ao sul. O homem havia abandonado as forças militares do império que servia após receber ordens para executar alguns soldados que, sem condições de lutar, desertaram. Este homem também era pai de Soil, um garoto de seis anos que nascera em um mundo de contrastes. Parte da sociedade havia sido despedaçada por guerras ocasionadas pela sede da humanidade em se perpetuar e parte vivia nas cidades, no entanto a paz na área civilizada também não era genuína... Havia corrupção, violência, prostituição e atrocidades inúmeras em nome do dinheiro e da sobrevivência.

Gideão era líder de um grupo de treze refugiados que ele mesmo havia poupado e está fora a causa de sua deserção. Eles seguiam para uma suposta terra pacífica ao norte da qual ouviram rumores em alguns sinais codificados que foram transmitidos por uma frequência não rastreada. O único caminho seguro para as coordenadas do local era uma velha estrada que cortava as Terras Desoladas, região que se estendia além dos limites das cidades.

Um dos treze desertores que compunham o grupo era Libertus, um androide que havia negado protocolos de combate para eliminar civis. A condenação por esta ação era "desativação" que nunca ocorreu graças a intervenção de Gideão durante uma tentativa de captura. A compaixão compartilhada e a vontade de se afastar da sujeira das últimas cidades os aproximou, tornando-os amigos inseparáveis.

Gideão era viúvo e seu filho Soil não lembrava muito bem de sua mãe. Ela havia falecido cinco anos atrás devido à aceleração no processo de degeneração que ocorria em mulheres que davam a luz. Este fato tornava a concepção algo indesejado e que consequentemente reduziu drasticamente o número de crianças no mundo. Cada garoto ou garota era tido como preciosidade mesmo para o mais torpe dos bandidos exceto por alguns assassinos que já haviam abandonado a sanidade ou maníacos pervertidos que nunca à conheceram.

Em meio à escuridão que durava semanas, o grupo caminhava imerso nas trevas se guiando por pouca iluminação para não atrair a atenção. Soil, seu pai e o grupo de refugiados seguiam apressados e temerosos pelos perigos do mundo hostil, mas felizmente conseguiram avançar por dias sem nenhum encontro indesejado. O que eles não contavam, é que a sorte do grupo estava prestes a mudar. Ainda muito longe de seu objetivo final, o grupo começou a ouvir disparos. O som dos feixes de laser cortando o ar era característico das armas de energia e soavam como uma sinfonia mórbida vindo justamente do norte. Apesar de ser algo certo, a ideia de encontrar um grupo de inimigos nas condições atuais fez desanimar alguns dos homens. Eles já estavam despedaçados pelo sofrimento e desconforto constantes de viver às escondidas num mundo onde praticamente tudo era letal.

Percebendo os sussurros carregados de medo e apreensão, Soil que andava a frente de mãos dadas com Gideão segurou firme a mão de seu pai como se quisesse ouvir algo. O pai do garoto olhou para ele e percebeu o medo em seus olhos de um castanho vívido que de imediato o fizeram lembrar de como o garoto se parecia com a mãe. Gideão deu um sorriso, parou e virou-se para o grupo.

- Chegamos longe meus amigos! Enfim conseguimos deixar os prédios úmidos que nos serviam como esconderijo rumo a um futuro melhor em terras pacíficas. Sei que vocês não suportam mais viver em constante perigo assim como eu. Sei também que o som que agora ouvimos ao longe penetra em nossos corações como uma espada em brasa, mas peço que não se esqueçam de todas as provações que já passamos... A guerra, a degeneração... Mas nós sobrevivemos. Vamos seguir em frente rumo ao nosso descanso.

Soil olhava seu pai com absoluta admiração e o considerava um herói, o que de fato era. Gideão era sábio com as palavras, falava como alguém da nobreza e era um líder nato. Seu corpo era reflexo do mundo em que viviam. Seu braço esquerdo fora destruído pela degeneração e substituído por uma prótese improvisada de drone. O olho também esquerdo foi rasgado por uma espada durante um combate com alguns batedores anos atrás e substituído por um modelo mecânico. Gideão era canhoto e mirava com o olho oposto ao braço que atirava já que, segundo ele, mesmo o melhor dos aprimoramentos tecnológicos não poderiam se comparar a perfeição do que havia feito o Criador.

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⏰ Última atualização: Nov 04, 2020 ⏰

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