Meu pai e meu irmão reuniam-se muitas vezes no salão privado, o escritório onde o Conde de Pedra Bruma fazia suas reuniões e onde ele geria seu território e propriedades. Meu irmão, apesar de ser o mais velho entre os filhos do senhor meu pai, ainda não havia sido prometido a nenhuma donzela e com a aproximação do casamento de nossa irmã, este assunto estava a ficar bastante urgente. O Herdeiro de Pedra Bruma precisava de uma noiva e quem melhor que a Tércia Albina para escolher uma? Verdade seja dita, aquela mulher lê as pessoas melhor do que elas se lêem a si mesmas, mas era tão chata.
Antes de entrar na Ordem, ela vivera na Corte Imperial, servindo de criada pessoal a uma das damas de honra da Imperatriz. A sua senhora morrera durante a Grande Peste Branca. Era uma mulher nobre, não só de sangue, mas também de espírito. Era bondosa, caridosa e bastante rica. Solteira e não tinha perspetivas de vir a casar, apesar de já ter 30 anos. Era verdadeiramente livre, o seu pai, o segundo filho de um Duque, viajara pelo mundo e adquirira muitas riquezas, sendo capaz de adquirir vários títulos nobres. Ela era a irmã mais velha dos filhos do seu pai, no entanto, como tinha um irmão, ele herdou todos os senhorios e títulos e ela herdou parte da fortuna do seu pai, alem de ter recebido uma pequena frota de galés comerciais que lhe iriam garantir rendimentos durante o resto da sua vida. Mas ela já estava morta. Apenas restos de ossos nas Criptas de Nangarde, a fortaleza mais interior do Castelo do Varão, a propriedade principal da família imperial.
Encostei-me á porta e procurei ouvir o que diziam os três. Discutiam o assunto omnipresente de um casamento arranjado. O meu irmão tinhas várias pretendentes, algumas delas bastante boas e prestigiosas, no entanto, condicionadas e terríveis para o futuro da casa. Lembro-me de uma proposta vinda dos Arquiduques de Méroda, Defensores das Ilhas e Mestres da Marinha. Davam-nos uma das ilhas, mas em troca teríamos de abandonar Pedra Bruma e todos os nossos senhorios nas Terras Fluviais, romper o nosso contrato de vassalagem com os Príncipes de Correrrio e a ilha que nos ofereciam era incapaz de produzir rendimentos para sustentar toda a nossa família. A Casa Germano é a maior casa senhorial nas Terras Fluviais, que ainda não alcançou o grau de duque e a segunda maior no Império, atrás da Casa Dionísio de Brizal, vassalos diretos do Imperador, no entanto, ao contrário desta ultima que já fora uma casa ducal, a Cada Germano nunca teve essa honra. Na realidade, nas Terras Fluviais, a diferença de poder entre títulos nobiliárquicos situava-se mais no prestigio do que no poder real. Aliás, um quinto dos duques das Terras Fluviais eram menos poderosos que os Condes de Pedra Bruma, mas todos eles mais prestigiosos que nós. Um casamento com um destes pequenos duques seria extremamente prestigioso, visto que subiria o titulo do chefe da casa de Conde para Duque, o que possibilitava todo um novo espectro de opções dentro da região. Casamentos fora das regiões de cada casa não eram permitidos, salvo sobre casos em que o chefe da casa renunciava os seus títulos e recebia uns novos ou com segundas filhas/filhos de outras regiões, em que as possibilidades de herança eram quase nulas. Aliás cada titulo estava associado a um apelido, desde tempos primordiais os Condes de Pedra Bruma foram todos Germano, mesmo que tivessem sido antecedidos por uma Condessa de Pedra Bruma. Os casamentos matrilineais eram comuns, apesar de serem controversos, mas o que podiam fazer a Fé dos Três contra todo um império? Mas casamentos normais entre mulheres reinantes e herdeiros implicavam uma herança total pela linha paterna, o apelido da mãe perdia-se completamente. Caso fosse entre um homem reinante e uma herdeira, o mesmo aconteceria, o apelido materno perde-se. Um mundo um tanto injusto a meu ver.
-Podes sempre casar-te com a Duquesa de Rio Branco, ela é jovem, bonita, controla terras próximo das de seu pai...-disse a tércia, divagando um pouco nas palavras seguintes. Deveria ser a sua favorita. Dona de uma beleza inigualável, diz ela. E a beleza guerreira como a de Joana Sousa, a Cavaleira Virgem? Senhora muito culta e prendada, continuou. Mas saberia ela gerir um castelo como a Rainha Helena Vieira? Ou comandar um exercito como Beatriz Ferreira, a Conquistadora? Era apenas uma mulher, nada mais. Nada nela era excecional. Nem o dote! Não entendo...
-Inês! Tens de mostrar o teu bordado! - gritou uma tércia, à distância. Fugi. Não gostava dos bordados que tinha de fazer, por isso nunca os faço. Aliás não gosto de nada que seja feminino demais. Quem me dera treinar com o meu irmão.-Inês! Ou apareces ou falo com a tua mãe!
-"Ela não está"- pensei para comigo mesma e ainda bem, se estivesse já estaria de castigo. Corri para o meu quarto. Fechei a porta silenciosamente. Tranquei-a e arrastei o armário, de modo a barricar-me dentro do quarto. Levantei o colchão e tirei um pequeno estojo. Dentro dele estava uma fina espada de ferro, não era pesada, e assentava perfeitamente no meu punho. Meu "tio" deu-me no último dia do meu nome, escondidas no meio de um vestido de seda escarlate. Comecei a praticar, apenas sabia uma coisa "Enfia sempre a ponta afiada neles e não em ti". Parecia não ser um grande conselho, mas na realidade era. Uma espada como esta não deve ser usada para cortar, mas sim para perfurar. Dei-lhe um nome quando a recebi, "Espinho de Pedra". Não era feita de aço joanino, mas fora feita pelos melhores ferreiros do Império, ela não poderia quebrar. Nem ela, nem o meu espírito, nem este poderoso orgulho nobre, nem esta poderosa casa, nem toda a honra, coragem, amor e respeito que a minha família humildemente plantou no seio do Império. Nem que os três infernos descessem à terra. Ninguém o poderia permitir.
(Não consegui publicar um capítulo na semana passada por causa dos exames, mas irei retomar o ritmo normal de publicação)
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Um Coração Medieval: Do Povo À Nobreza
Historical FictionEsta a história de Hugo, um adolescente de 16 anos, filho de camponeses e que sobreviveu a uma doença mortal quando tinha apenas 8 anos. Depois de um coma profundo, acorda numa torre, vigiado de perto pelos senhores do castelo, que o salvaram de uma...