Quatro Tortas

100 9 0
                                    

Capítulo Um — Quatro tortas

A mente dela estava concentrada no animal pastando a alguns metros de distância. A floresta estava mergulhada em pleno silêncio e apenas a respiração do veado e o farfalhar de algumas folhas por conta do vento poderia ser ouvido. Era como se toda a natureza parasse para ver o espetáculo que era a caça de Marlene McKinnon.

A jovem morena controlava a própria respiração e tinha cuidado para que não fizesse nenhum ruído sequer. Seu braço estava erguido na altura dos ombros e seus dedos longos e calejados seguravam um arco e uma flecha de madeira real. Os olhos dela analisavam cada músculo do animal, esperando que ele estivesse em perfeito relaxamento.

Um segundo se passou. O animal ergueu a cabeça em estado de alerta. Dois segundos. Ele olhou ao redor. Três. Voltou a pastar. Então, finalmente, ela soltou a flecha.

O objeto voou em alta velocidade cortando o ar gelado do bosque inglês e acertou perfeitamente o pescoço do veado. O animal ficou parado por alguns segundos e, em seguida, caiu no chão, morto.

Foi o abatimento perfeito, sem sangue e sem dor.

Marlene esboçou um sorriso de satisfação, que logo se desfez. Ela, então, colocou o arco preso em suas costas.

— Finalmente — a morena ouviu a voz de James Potter, um dos seus melhores amigos, zombar. Olhou para o seu lado direito e o viu saindo de trás de uma árvore e caminhando até ela. — Pensei que não fosse atirar nunca.

Marlene sorriu.

— Pelo menos eu atirei.

O rapaz moreno e de cabelos bagunçados fitou-a por alguns instantes, se perguntando de onde havia vindo aquela ironia tão típica dele próprio.

— O que quer dizer com isso, Lene? — ele indagou, fingindo estar ofendido com a insinuação. — Eu sou tão caçador do rei quanto você. Quem você acha que é o responsável por caçar os petiscos da tarde do nosso soberano?

— Os coelhos? — ela buscou confirmação, erguendo uma sobrancelha desdenhosa.

Potter fez uma expressão quase orgulhosa de si mesmo e anuiu. Marlene precisou segurar-se para não soltar uma risada.

— Ela está falando de animais de grande porte, Prongs — dessa vez, McKinnon olhou para o lado esquerdo e viu Remus Lupin, seu outro melhor amigo, surgir dentre as árvores e vir na direção deles.

Ele tinha um arco e flechas presos nas costas e ela se perguntou se ele havia ido caçar também. Normalmente, àquele horário do dia, eles preferiam apenas acompanhá-la para levarem os animais que ela abatia. Contudo, ela não perguntou.

— Pois saibam vocês que o rei adora os coelhos bem assados e, se não fosse pelo caçador de pequeno porte aqui, ele não os teria para comer — Prongs tentou justificar. Não adiantava discutir com James sobre aquele assunto, afinal, ninguém poderia convencê-lo de que ele não era tão bom quanto pensava ser.

— Certo — McKinnon aceitou. — Por que vocês dois não me ajudam a levar o veado para o castelo?

Remus e James assentiram e foram na direção do animal, que estava a alguns metros dela. Agilmente, eles se organizaram para erguer a criatura e, em questão de segundos, já estavam com ele nas costas, carregando-o na direção de Marlene.

A morena sorriu com a eficiência de seus amigos e, assim que eles se aproximaram, ela deu meia volta e começou o caminho de volta ao castelo. Remus e James andavam um pouco mais devagar, devido ao peso que carregavam, e gemiam de vez em quando, mas Marlene apenas diminuiu o passo para poder acompanhá-los.

Não sentia pena deles ou vontade de ajudá-los. Essa era uma das vantagens de ser a melhor caçadora da Guarda Vermelha e também a única mulher dessa categoria. O rei sempre procurava ter certeza de que ela tivesse toda a ajuda possível quando se tratava de levar os seus animais para a cozinha do monarca. E ela gostava disso. Lutou muito para conseguir a posição que tinha e queria usufruir dela.

— Por falar em comida para o rei — Potter começou, entre gemidos pelo peso —, vocês ouviram falar que Sua Majestade mandou fazer quatro tortas para o jantar?

Remus soltou uma risada e McKinnon o acompanhou. Aquela era outra característica de Prongs. Ele era o criado mais fofoqueiro do castelo. De certa forma, era bom para a morena, pois ela sempre ficava sabendo de todos os podres da alta nobreza.

— Qual a relevância disso? — Lupin perguntou. — O rei pode e deve pedir quantas tortas quiser.

James negou.

— Aí que você se engana, meu caro Moony — ele debochou e Remus revirou os olhos. — O rei costuma pedir apenas três tortas. Uma de limão, sua preferida, e duas de maçã para os nobres que jantam junto dele.

Por mais que ela não costumasse prestar muita atenção nas loucas teorias de conspirações de Potter, a morena estava curiosa para saber aonde a saga das tortas levaria.

— Eu soube por fontes mais do que confiáveis que a quarta torta seria de chocolate — ele contou, como se aquilo fosse a solução para um grande mistério. — Um sabor completamente novo. Isso só pode significar que ele está recebendo um convidado esta noite.

Lupin olhou-o de relance e então pulou uma raiz alta.

— A sua fonte confiável seria a senhorita Evans? — ele quase riu ao perguntar. Lily Evans era uma jovem cozinheira que caiu nos encantos de Prongs. Na opinião de McKinnon, era apenas mais uma das que ele seduzia e depois jogava fora. — Essa criada está fazendo realmente de tudo por você. Até mesmo dar informações sobre o seu serviço para alimentar o seu espírito intrometido.

James pareceu ficar realmente chateado por alguns segundos, mas logo uma expressão relaxada e divertida tomou conta de seu rosto novamente.

— Vamos deixar a senhorita Evans fora disso, certo? — ele disse, querendo continuar a sua teoria. — Por acaso, a torta de chocolate costumava ser a preferida de alguém muito querido pelo rei.

Agora, Marlene já estava querendo chacoalhar Potter para saber a conclusão de toda aquela loucura.

O rei nunca recebia convidados. Muitos rumores eram ouvidos nos corredores do castelo sobre o motivo de o monarca ter caído em uma tristeza profunda e ficado em total recolhimento. Alguns diziam que ele havia adoecido e ficava recluso a maior parte do tempo para não se mostrar um rei fraco. Outros diziam que ele havia fechado as portas do castelo depois que seu filho, um rebelde nato, decidiu ir embora da Inglaterra e deserdado a si mesmo.

— Quem, Prongs? — a morena quase gritou e viu um sorriso satisfeito tomar conta do rosto dele.

— Parece que temos alguém curiosa com a história do fofoqueiro, não? — James debochou e ela ameaçou dar-lhe um tapa. Apenas não o fez, pois ele se desequilibraria e deixaria todo o peso do veado cair sobre os ombros de Remus. — O filho desertor.

Espanto tomou conta do rosto de Moony.

— Tem certeza? — ele perguntou. — Quem é a sua fonte confiável dessa vez?

Marlene estava ainda mais interessada na história. Ela realmente não acreditava que essa história fosse real; nem mesmo acreditava que houvesse, de fato, um filho do rei.

— Dorcas Meadowes — ele disse. McKinnon conhecia bem a senhorita Meadowes. Ela era tão jovem quanto eles, mas ascendeu cedo ao posto de babá real. — Ela cuidou pessoalmente do filho do rei.

Finalmente, Lupin começou a acreditar na teoria de Potter.

— Quem é o maldito filho do rei? — a morena perguntou, curiosa. A caçadora entrou para a Guarda Vermelha algum tempo depois do desertor ter ido embora.

— Sirius Black.

MausWhere stories live. Discover now