Cores e Tons

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Olhava para Francisca no fundo de seus olhos, mais uma vez estávamos na distância segura de uma mesa. Ao seu lado estava Javi falando sem parar. Qual não foi meu espanto ao descobrir que Javi trouxera seu pingente de luxo com ele.

"-Márcia não conhecia a capital do nosso país, achei isso uma grosseria imensa e tratei de remediar isso. Espero que não se incomode." - Fiquei incomoda sim, um incômodo que é a mistura de sentimentos e sensações diferentes. Quanto mais a via mais a queria ver. E nosso terceiro encontro foi no Rio de Janeiro, a capital brasileira. Javi não fazia ideia que eu sabia o nome verdadeiro de sua prostituta de estimação. Será que ele sabia o nome verdadeiro dela?

-E o que achou da capital? Perguntei.

-Achei... Bem... É a capital. -Respondeu e tomou um gole de seu café, estávamos em um confeitaria, ainda não dera cinco da tarde.

-E o mar, já conhecia? -Desde nossa último encontro me sentia culpada pela forma que a tratei. Ela estava sendo sincera e franca comigo, eu retribuição sou irônica e maldosa. Essa culpa fez com que não conseguisse falar de outra forma senão amigável. Dessa vez nada de jogos ou ironias.

-Ainda não conheço. -Francisca parecia uma menininha que diz não ter bonecas na frente das outras coleguinhas bem afortunadas.

-Como você chegou aqui hoje de manhã e ainda não a levou para ver a praia? -Javi pareceu um pouco embarassadado. Deviam ter tido uma manhã cheia entre eles.

-Não chegamos tão cedo, e estávamos cansados. -Pensei em perguntar o motivo do cansaço mas lembrei que não queria colocar numa situação constrangedora novamente.

-Você poderia me apresentar o mar! -Podia jurar que notei empolgação em sua voz. -Javi tem que resolver coisas na filial da empresa do pai, não vai poder me levar hoje. -Fiquei muda, não sabia o que dizer.

-Eu agradeceria de fizesse esse favor. -Falou com cara de coitado, a mesma cara de sempre que me pedia para ajuda-lo com algo. Provavelmente veria outra mulher. Javi quase nunca trabalhava, podia apostar que durante a semana que passaria no Rio, só iria umas três vezes na filial.

-Não posso oferecer um passeio muito longo, mas vamos! -Ao ouvir minha resposta Francisca bateu suas palmas num ritmo eufórico sem soltar som, não sabia se olhava para suas luvas ou para seus labios, resolvi olhar pras nuvens.

Das coisas que nunca vou esquecer, a reação da moça nascida e criada em São Paulo ao ver o mar pela primeira vez, é uma delas. Ela estava como um quadro, tinha tons infantis, a alegria de ver uma coisa nova, tons mais fortes e adultos, a contemplação de algo muito maior do que o homem pode um dia construir, tons de melancolia e tristeza, as lágrimas que escorriam por algum motivo. A maresia traz consigo várias emoções. Algo ali tocara fundo na jovem mulher, que depois de derramar lágrimas solitárias deixou-se cair na areia da praia e começou a chorar como criança. Sentei ao lado dela, que me abraçou enquanto chorava, e ficamos assim enquanto o sol se escondia e a brisa fresca nos envolvia. Aos poucos as lágrimas cessaram, o soluço diminuiu, mas ela permaneceu com a cabeça em meu ombro. Nenhuma palavra foi dita todo esse tempo. Não sou a maior entendedora da alma humana mas sabia que Francisca precisava daquele silêncio. Comecei a tremer um pouco por causa do vento gelado que passava ocasionalmente por nos, ela então me abraçou forte e friccionou as palmas de suas mãos em meus braços para esquentar.

-Obrigada. -Falou baixinho. -Obrigada. -Repetiu enquanto me soltava e me encarava. Respondi apenas com um sorriso.- Está esfriando e você precisa voltar para sua família.

-Ainda tenho alguns minutos, gosto de observar as ondas a noite. -E também gostava de estar ao lado de Francisca, me sentia confortável. Ela tinha algo além da beleza e extravagância que me acalmava. Dentro dela uma parte calma e suave como a brisa do mar saia e vinha ao meu encontro, me prendendo a sua companhia e fazendo os minutos perderem sentido.-Amanhã ficarei sozinha o dia todo, e tem uma praia pouco frequentada e linda cerca de duas horas daqui, quer vir comigo?

-Só você e eu? -E a malícia voltou a sua voz.

-Javi, Miguel, Dóris, você e eu. -Não sei o que aconteceria comigo se ficasse um dia inteiro sozinha com Francisca.

-Então é o mesmo passeio que Javi me falou hoje cedo. -Notei o desapontamento. Queria passar mais tempo comigo, e confesso, eu com ela.

-É sim. O lugar é maravilhoso, e Miguel e Doris são uma figura. Gêmeos acredita?

-Parece que vou sobrar então, Miguel para você e Dóris para Javi. O melhor que eu faço é ficar aqui na cidade mesmo. -Os tons melancólicos voltaram. Ela tinha razão, Miguel demonstrava interesse em mim, e Javi demonstrava interesse em todas as moças. Francisca seria um ponto destonante, uma cor fora do contexto.

-Será um passeio de velhos amigos, e você é amiga de Javi. -As vezes umas cores destoantes caem bem.

-E não sou sua? -Olhos nos meus, olhando fundo procurando a alma. O Vento frio me fez tremer novamente.

-Amiga? Vejamos, três encontros... Pode ser.-Ser evaziva é algo que também sei. Levantei, o vento espalhava meu cabelo.

-Então eu vou. Só porque você me convidou.-Nos duas em pé, comecei a caminhar para fora da areia. Na despedida me deu um beijo na bochecha. Tive a impressão de corar, o que deve ter acontecido, porque ela rio.

Na manhã seguinte, olhei o relógio na parede do quarto, resolvi ficar em casa, seria das loucuras a que eu não faria. Fiquei na cama pensando em Paris, da minha viagem dois dias mais tarde. Meu pai arrumara uma ótima ocupação para mim, que nas palavras dele valorizaria tanto minha instrução, quanto minha reputação e da família. Só que não quero França, não quero Paris, não quero Europa. A empregada bate na porta do quarto, entra e entrega um envelope fechado para mim.

-Sua amigo está na sala. -Avisa.

Abro o envelope e leio:

"Quero meus versos em seus lábios

Minhas canções em seu coração

Meu cheiro nos seus sussurros

E seus sonhos e meus beijos

Porque poesia é para loucos

E boêmios.

F."

Na sala encontrei Javi, os gêmeos e uma Francisca sem as roupas extravagantes, mas vestida como uma moça criada por uma boa família da sociedade.

Antes de ParisOnde histórias criam vida. Descubra agora