Capítulo 1 - Projeção

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- São quase nove da noite e o carro marca trinta e oito graus. – Diz Antunes, sentando-se ao volante do Dacia Duster branco e rodando a chave, enquanto outros dois passageiros se sentam, um no banco do pendura, outro no banco de trás.

- Não é quase nada... Abaixo dos quarenta é fresco. - Responde João, ironizando, habituado ao calor alentejano.

- Fala por ti. Já não estou habituado a isto. – Queixa-se Diogo, sentado no banco traseiro, de regresso a Mértola depois de largos meses fora. Anos, para dizer a verdade. Tinha estado a estudar línguas e literaturas na Universidade do Minho, primeiro a licenciatura, depois a pós-graduação, e agora o mestrado, que fazia nas horas vagas que arranjava entre o trabalho numa escola profissional, as tertúlias improvisadas, as esplanadas dos cafés e os balcões das tabernas. Era o mais velho dos três rapazes, todos com vinte e poucos anos, na flor da idade e com energia para passeios e copos diários.

O sol punha-se na Mina de São Domingos. Uma magnífica praia fluvial, de água tépida e opaca, repleta de peixes e sanguessugas, mais conhecida entre as más línguas como a praia dos tesos, pois só lá ia quem não tinha dinheiro suficiente para fazer a viagem de menos de cem quilómetros até ao Algarve. Enquanto atravessavam o paredão que servia simultaneamente de barragem e estrada de saída, observavam em silêncio a esplanada do pequeno quiosque, estrategicamente colocado no meio do areal improvisado que pretendia, sem êxito, recriar uma praia a sério. Havia ainda muita gente a comer petiscos, sobretudo caracóis, degustados com pão, manteiga e minis, iguarias que atraiam mais turistas que os banhos.

- Devíamos ir comer qualquer coisa... - Suspira João, enquanto passavam pelo último restaurante da pequena localidade, habituado a jantar religiosamente às oito da noite, acompanhando o telejornal, hora que já lá ia. Os outros não concordaram.

- Achas? Estou cheio de caracóis e minis até às goelas. – Responde Antunes, ainda farto do lanche que durou desde as seis da tarde. – E deixa lá ver se não anda aí a bófia, se me mandam parar lá se vai a carta.

- Vamos antes dar uma volta à serra. Ver o rio lá do alto. Não me apetece ir para casa. – Acrescenta Diogo, cuja relação algo conflituosa com os familiares que não tinha outro remédio senão visitar nas férias o levava a manter-se na rua tanto tempo quanto possível.

- Tu queres é ir ver ovnis. – Responde Antunes, rindo.

- Ovnis? Aqui? – Pergunta João, espantado, achando a ideia estapafúrdia.

- Claro, onde havia de ser? Na Serra de Mértola há mais relatos de avistamentos que em qualquer outro sítio em Portugal. – Responde Diogo, prontamente. – Dito pela Associação Portuguesa de Ufologia, pela Associação de Pesquisa Ovni, entre outras.

- Entre outras? Há associações disso? – João, estupefacto, admira-se.

- Claro! Só em Portugal tens dez ou doze associações que estudam os ovnis. Aqui em Mértola e na zona do Carregado é onde há mais avistamentos.

- Deves estar é doido, pá, isso não existe. Muito menos aqui, no meio do nada. Ovni que se preze aparece na América e os extraterrestres falam inglês, como em qualquer filme. – Troça João, enfurecendo Diogo, adepto e crente de longa data em tudo o que é fenómeno paranormal.

- Não existe o quê? Não existe? Claro que existe! Olha aqui, este foi filmado aqui há uns anos! – Diogo apressa-se a sacar do telemóvel e a apresentar um vídeo filmado ali perto, onde alguém de telemóvel em punho corria por meio do montado, vendo-se apenas luzes desfocadas e vultos que tanto poderiam ser árvores como pessoas. No final, um objeto em forma de disco, nítido e repleto de luzes que encandeavam qualquer um que pudesse assistir ao vídeo, passa mesmo em frente da câmara.

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