Capítulo 2 - Projeções

3 0 0
                                    

Não conseguia dormir sem tirar a limpo se o nome da aldeia que vira na projeção era real ou não. Silveira da Serra: seria, com certeza, no meio de uma serra. Talvez a Serra da Estrela? Ou a Serra da Peneda? Quem sabe até na Serra do Marão? Correu até à sala, tentando não fazer barulho, para não acordar os seus pais, que dormiam decerto há algum tempo. Lá, sabia que ia encontrar um velho Atlas, onde poderia procurar pelo nome. O GPS não lhe tinha dado a esperança que tal sítio existisse, mas não custava nada procurar noutro sítio, podia simplesmente estar em falta na base de dados do GPS. Correu, com os olhos, todas as serras que o mapa marcava. Nada. Nem um nome parecido. Mas não ia desistir: sabia também que o seu pai andava sempre com um mapa de estradas no carro. Sub-repticiamente, rapinou as chaves do carro e dirigiu-se à garagem, onde encontrou o carro e o mapa no porta-luvas. Após nova pesquisa pelas serras de Portugal, mais demorada, pois a escala e o nível de detalhe do mapa de estradas eram bem diferentes dos do mapa do Atlas, chegou ao mesmo resultado: nem um nome parecido. Resignado, foi para o seu quarto, depois de deixar as chaves do carro no mesmo sítio.

Já na cama, João não conseguia dormir. No escuro, de luzes apagadas, revia repetidamente a visão na sua mente, atormentado pela voz de Eduarda, ecoando no vazio, vezes sem conta, "Procura-me! Procura-me! Procura-me!". Achou boa ideia repetir o mesmo que tinha feito na presença de Diogo. Talvez voltasse a encontrar Eduarda. Talvez visse mais um fragmento do seu futuro, se é que podia mesmo ver o futuro nesta projeção, como Diogo lhe chamava. Ou talvez a voltasse apenas a imaginar. Só sabia que queria vê-la de novo.

Virou-se de barriga para cima, esticando os braços paralelos ao longo do corpo, com a intenção de ficar o mais confortável possível. O que não era fácil, pois parecia-lhe estar dentro de uma estufa, tal era o calor que se ainda se sentia no seu quarto depois de mais um dia de verão. Levantou-se e abriu a janela, tentando refrescar o ambiente, voltando a deitar-se em seguida, na mesma posição. Na sua mente, ouvia de novo Diogo a instruí-lo para que sentisse os pés a aquecer, para depois os deixar de sentir, depois as pernas, depois cada uma das partes do seu corpo, até que a sensação desagradável do calor noturno alentejano deu lugar a um conforto tépido induzido pela imaginação.

Não se viu num túnel, como da última vez. Estava sentado numa esplanada, sentado numa fria cadeira de alumínio, tal como a mesa, prateada e brilhante. A não mais que uns quatro ou cinco metros estava um quiosque, onde havia algumas pessoas encostadas, possivelmente a realizar os pedidos. Devia ser uma manhã de inverno, pois o frio intenso que sentia agora contrastava com o céu azul, sem uma única nuvem, onde o sol brilhava, luminoso, sem lhe aquecer o corpo, mesmo estando todo ao sol.

Estava sozinho, mas as restantes mesas da esplanada estavam, quase todas, ocupadas por pessoas que conversavam tranquilamente, tomando o pequeno-almoço, entre bolos, sandes, galões e cafés. Olhando em redor, não conseguiu discernir onde estava, pois toda a linha do horizonte se encontrava oculta, coberta por uma abundante floresta de grandes pinheiros, faias, carvalhos, de folhagem farta e de um verde muito vivo, realçado pela luminosidade do dia. Poderia estar num parque natural, num grande jardim, numa floresta, não sabia, uma vez que os únicos sinais de civilização que via eram aquela pequena esplanada e o quiosque. E aí, finalmente, uma voz familiar fê-lo fixar-se numa silhueta que lhe teria passado desapercebida:

- Que vais tomar? – Diz uma rapariga, encostada ao balcão, virando a cabeça na direção de João. Não a tinha visto logo, porque havia alguém entre eles a obstruir-lhe a visão, alguém que, entretanto, tinha sido servido e se tinha afastado da frente, pelo que ela era agora a única pessoa ao balcão.

Não lhe respondeu. Mesmerizado por aquela visão, não conseguiu ter outra reação que não fosse a de ficar quieto e de a contemplar. Reconheceu de imediato os olhos escuros e brilhantes, os lábios rosados, quase vermelhos, o sorriso rasgado. Eduarda tinha agora o cabelo muito mais curto, pela altura do queixo, pendendo por debaixo de um gorro de lã, negro. Vestia um casaco de malha grossa, também negro. Parecia-lhe um pouco mais velha que na visão anterior, mas não menos bela, pelo contrário: estava encantadora.

ProjeçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora