ONTEM e HOJE

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Das muitas coisas que me trazem saudades de minha infância, uma delas, inusitada por sinal, me faz lembrar o tempo de minha meninez e de como as nossas famílias funcionavam.

Não vou cair naquele jargão de "no meu tempo...", mas, claro, vou ter de mencionar coisas do meu tempo e, inevitável e implicitamente, haverá uma comparação entre o que vivi e o que está sendo vivido dentro e fora das famílias.

Poderá até suscitar uma nostálgica vontade de percorrer os caminhos pelos quais caminhei tantas vezes, mas já aviso que esses já não existem mais. Pode ser por força da própria da natureza que se incumbiu de esconder os caminhos e trilhas, ou então, por ordem do progresso que ergueu casas e avenidas por onde antes eram passagens de vacas, cavalos e gente humilde.

Nós éramos essa gente humilde. Não apenas no sentido de "próximos", "educados", "cordatos"; também era no sentido de "desprovidos economicamente", que hoje se equipara aos pobres, os "culturalmente dependentes". Há uma grande diferença entre esses dois grupos. Sim, é verdade que o dinheiro era pouco, mas nunca faltava nada do que era essencial; hoje ainda que o volume dinheiro seja maior, a ênfase em sua falta é tamanha que as pessoas passam a não existir.

Nós existíamos e resistíamos a tudo. Tanto é verdade que os que tocam as sociedades hoje são frutos daquela época. A época em que se separava valor e preço. Tudo tem um preço, e todo mundo sabe disso; somente os mais experimentados dizem que algumas pessoas têm valores - e esses duram a vida toda. Enquanto que os preços vão se sobrepondo ou sendo deflacionados, os valores permanecem, fazem história e as contam às gerações sucedentes.

É para essas gerações que chegaram no "tempo do preço" que as histórias dos mais antigos servem para criar um cenário bucólico e beirar ao "mundo de fantasia", isto é, deixa-las boquiabertas como que "não-acredito-que-era-desse-modo"; para as gerações dos valores, essas histórias servem para recordá-los dos tempos difíceis, porém, cheios de gratidão.

Esses tempos em nossas vidas se equivalem às águas de um rio. Heráclito de Éfeso, um estudioso grego, afirmava que "não é possível entrar duas vezes nas águas de um mesmo rio". Para todas as reflexões de concordância ou discordância, deve-se adiantar, que já não serão as mesmas águas, não será o mesmo corpo, não será o mesmo rio. Extrapolando a ideia de rio, também são as ocorrências em nossas vidas: nunca são as mesmas, porque nós já não seremos os mesmos.

Já não somos o que fomos nem mesmo se pudéssemos voltar a um determinado tempo. Seríamos uma cópia de nós, acrescidos de um espaço de tempo e de experiências que não tínhamos à época revisitada! Assim, quando acessamos a memória de algo, fazemos com toda a carga emocional inexistente naquele período e o que veremos a partir deste ponto, não será mais que uma leitura atualizada de nossa experiência.

E por falar em experiência: onde e como se lava roupa suja?

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