Tudo era organizado e todos saímos juntos de casa, tomando o cuidado de não esquecer nada, para não ter o perigo de ter voltar, pois a distância era considerada. Sempre havia alguém encarregado de fazer aquele "check list" e ia conferindo item a item:a recolha dos passarinhos, alguma janela aberta, material para o almoço, material para a limpeza do material. Só depois de tudo conferido, a grande família se punha a caminho.
No caminho, como era de praxe, os grupos de interesse iam se formando na mesma medida em que os passos iam se somando aos demais. Em pouco tempo, já era possível identificar o grupo da pescaria e do truco traçando os planos; das combinações de como deveriam ser dispostas as roupas claras e as escuras; e por fim, os das muitas brincadeiras que poderiam ser feitas durante o dia.
Quando o grupo já se preparava para sair das ruas calçadas e adentrar aos carreadores e trilhas, novas funções eram distribuídas para o grupo: os homens grandes iam à frente, verificando as picadas e já juntando as madeiras para o almoço nas panelas de fundo preto; as mães, com as trouxas de roupas pressionando as rodilhas, aproveitadas em um guardanapo, que também seria lavado, iam gritando com todos para terem cuidado; os irmãos maiores ficavam encarregados da tralha da limpeza, o sabão feito em casa, a palha de aço, tudo socado em bornais feitos das sobras das velhas calças rotas do trabalho; as crianças, as maiorzinhas, davam as mãos às menorzinhas até o tempo em que não saiam correndo, trançando entre pais e mães, escondendo-se nalguma árvore, que por acaso ficava no caminho da passagem.
Olhando para trás, de uma coisa eu desconfio daquele cenário todo: em relação aos combinados que antes funcionavam, hoje não teria a menor condições de se sustentar. Não estou aqui querendo fazer juízo de valor, mas como parte integrante e construtora de ambas, entendo que as relações têm como pontos radicais diferenciados. Antes, elas partiam, viviam e voltavam aos pais. Eram os pais quem determinavam o que, quando e como fazer. Os filhos depositavam confiança nos pais e os seguiam sem muito questionamento, porque entendiam que eram decisões para o bem. Nas relações modernas não existem mais decisões unilaterais nem o bem almejado é tão claro assim. Na maior parte das vezes, os comunicados substituem as comandas de ordem e pais e filhos apenas tomam conhecimento das ações de um e de outro.
Se antes havia um "nós", ainda que os grupos fossem se formando pelo caminho, todos trabalhavam para o bem do grupo. Mesmo com suas especificidades, olhando panoramicamente, via-se uma integração das pessoas e um propósito: estar junto. Era o "estar junto" que patrocinava este caminhar, este lavar roupa, esta forma de viver conjuntamente as necessidades do dia-dia.
Caso diverso, hoje, apesar de as pessoas frequentarem os mesmos lugares, reclamarem de caminhar e das tarefas de casa, cada uma buscar o seu espaço, mas não para se firmar, mas para ser igual às demais. Formam-se grupos também, mas apenas com o intuito de ser diferente dos demais que não são iguais a si; sabem de tudo do mundo e das ações de quaisquer outras pessoas, menos daquelas que lhe são próximas - é como se cada vez mais se buscasse o próprio interesse.
São como águas de rio; são águas que passam. O rio somente é rio porque tem a água e sabe disso, porque se as águas secarem ou forem embora, o rio não terá mais sentido. A seu turno, as águas parecem não saber ou se importar com o rio que a forma e a direciona. Ela somente sabe que sempre estará ali, em seus dois lados, permitindo que corra e cumpra com o seu papel. No entanto, ela somente se enxerga e se satisfaz.
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ROUPA SUJA
RandomQuando você se põe a pensar sobre o andamento da vida e, de repente, por uma imagem em uma folha antiga de caderno, você volta ao passado e inicia um processo de busca pela memória de um tempo e de atividades que, se trazidas para a sociedade atual...