Flashback

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Cinquenta e três anos atrás

Eram três vigias novamente, mas dessa vez na parte da muralha que circundava o Reino Leste. No Reino Norte, a visão que havia além da muralha era de morros altos e grama que ficava branca da neve no inverno, mas ali no Reino Leste, a paisagem do lado de fora da muralha era sempre a mesma: um infinito mar de areias, um deserto.

Um dos vigias, o mais alto entre os três, enrijeceu o corpo de repente.

- O que é aquilo? – perguntou ele, indicando um ponto no meio da areia.

Ele estava apontando para um ser estranho, que nenhum vigia da muralha jamais havia visto. Ele vinha caminhando em direção à muralha lentamente, e ventos fortes anunciaram sua chegada. O ser estava envolto em sombras e não possuía pés, ele flutuava no ar um pouco acima do solo. Dava para ver um contorno branco por trás do manto de escuridão que usava, mas ele estava muito longe para os vigias descobrirem o que era.

- Parece uma sombra!

O segundo vigia apontou para a areia também, mas não para o ser estranho que se aproximava, mas para um pequeno grupo de soldados usando a farda do Exército Imperial. Os quatro avançavam em direção ao ser com medo, dando passos vacilantes.

- Eles irão enfrentar aquilo!

Quando os soldados se aproximaram o suficiente para dar uma estocada com a espada, o ser estranho pulou em cima de um deles. O soldado imediatamente caiu para trás, tremendo. No tempo de uma piscada, o ser que parecia uma sombra havia sumido.

Um dos soldados se aproximou do caído e estendeu a mão, perguntando se ele estava bem. Porém, antes que os outros pudessem se aproximar, um vulto negro pulou do corpo do soldado caído para o que oferecia ajuda, e esse também se jogou no chão, babando sangue, como se estivesse tendo um ataque epilético.

Assustados, os outros dois que ainda restaram correram em disparada em direção ao portão da muralha, mas antes que pudessem chegar lá, o vulto pulou novamente e atacou um deles, que caiu no chão como os outros. O último soldado, ao hesitar pensando se deveria salvar o amigo ou fugir, teve o mesmo cruel destino.

E então, todos os quatro homens do Exército Imperial estavam caídos no chão, mortos. Ao notar que não havia mais ninguém com intenção hostil, o vulto saiu do corpo do quarto soldado. Era o ser estranho que parecia com uma sombra. Ele havia entrado no corpo de cada um dos soldados e matado todos eles por dentro, como se fosse uma doença mortal.

Com um sibilo intimidador, aquilo desapareceu no vento.

Aquela foi a primeira vez que uma Sombra foi vista por um humano.

Mas após esse incidente, muitos outros aconteceram.

Dezesseis anos atrás

Uma mulher com o olhar caído para o chão e segurando um cesto em seus braços cambaleava por um amontoado de árvores. Nenhuma luz passava pelas copas das árvores, o que fazia a aldeã tropeçar em algumas raízes que se projetavam para fora da terra.

E então, enfim, a mulher encontrou uma clareira, e a luz do sol inundou seus olhos. Ela foi obrigada a proteger os olhos com um braço, tendo que segurar o cesto que trazia ainda mais firmemente. Dentro do cesto, enrolado em toalhas, um bebê choramingava baixinho, aproveitando o calor que a proximidade com o corpo da mãe gerava.

A mulher encontrou a sombra de uma árvore na clareira e deixou o cesto lá. Ela ergueu o olhar e, a poucos metros dali, se deparou com a grande parede da sede do Exército Imperial do Reino Norte. Em pouco tempo os soldados de lá iriam encontrar o bebê, e assim ele poderia sobreviver.

Ao virar-se para voltar para as árvores, uma lágrima desceu pela sua bochecha. Ela a limpou rapidamente. Prometera que não iria chorar quando esse momento chegasse, mas mesmo assim a tristeza apertava seu coração. Ainda de costas para seu filho, ela murmurou, mais para ela do que para o bebê:

- Desculpe, mas eu não posso te levar para casa.

O choro aumentou, e ela teve que se abraçar para suportar seu próprio peso. Ela se forçou a continuar a explicar o motivo de deixar o filho lá, mesmo o bebê não entendendo uma palavra do que ela estava dizendo:

- Eu não poderia simplesmente aparecer na vila com uma criança. Você não sabe o que tive que inventar para eles não descobrirem que estava grávida. Nos últimos meses de gravidez tive que passar o tempo todo fora de casa, longe dos olhares de todo mundo. Eu sinto muito, eu juro, mas eu não conseguiria explicar para eles quem é o pai.

E então, chorando mais do que a criança, a mulher saiu correndo para a escuridão da floresta.

Mais tarde, aquele bebê seria encontrado e chamado de Dan Ranny.

Mês 3 – Dia 30

O General Levir estava recostado numa das paredes do palácio, esperando em frente a uma porta para poder ter uma audiência com o Imperador Lewis. No corredor em que estava, haviam guardas em um intervalo regular pelas duas paredes, e ele se divertia observando cada um deles e concertando mentalmente suas posturas.

Passos vieram do outro lado do corredor, e quando o General se virou para observar quem vinha chegando, deu de cara com o Comandante Marchil, um dos soldados de alto escalão do Exército Imperial. Obviamente, o Comandante estava abaixo do General em termos de poder, mas mesmo assim os dois haviam desenvolvido uma forte amizade nos anos em que serviram ao Exército juntos.

Assim como o General Levir, o Comandante Marchil já podia ser considerado "velho". Tinha cabelos negros e um espesso bigode que quase cobria a boca. Seus olhos azuis profundos eram sérios e severos. Ao aproximar-se do General, ele o cumprimentou com uma rápida mesura – que era desnecessária por causa da longa amizade dos dois – e começou a falar, num tom levemente ríspido, que era sem tom habitual:

- Soube que hoje mais cedo você permitiu que o Cabo Ranny fosse sozinho até o ponto em que o regimento foi atacado.

O General Levir, franzindo o cenho irritado com o assunto que foi trazido à tona, se limitou a fazer que sim com a cabeça.

- Você irá deixar aquele garoto partir assim, simplesmente? Ele irá morrer.

General abaixou a cabeça na última palavra, cerrando o punho até o nó dos dedos ficarem brancos. Ele não queria de maneira nenhuma que algo ruim acontecesse a Dan, mas se ele partisse sozinho até o norte, além da muralha, então...

Não! Ele não podia pensar como um pai. O General Levir devia encarar o Cabo Ranny como um soldado do Exército Imperial, que é o que ele é, e se um soldado aparecesse pedindo para ir sozinho até o norte, se jogando para a possível morte, ele iria permitir, então não fazia sentindo impedir Dan de ir se ele deixaria outros.

Mas mesmo assim esse sentimento de culpa estava apertando seu coração desde que falara "sim" mais cedo para a proposta do Cabo Ranny.

Suspirando, o General ouviu a porta se abrir com um click e deu as costas para o Comandante Marchil, indo até o escritório do Imperador. Antes de se afastar muito, ele virou-se e disse:

- Vamos deixar esse assunto para outra hora.

-0-

Então, eu realmente espero que vocês tenham gostado desse capítulo(ah, se lembrem de votar se tiverem gostado!). Esse foi um "capítulo de flashback", digamos assim. Estou explicando parte da história pelo ponto de vista de outros personagens, e se preparem porque isso continuará ocorrendo pelos capítulos. Muitos eventos aconteceram antes do início do livro e o entendimento deles é essencial para o enredo, por isso eu estou colocando como um flashback, pois explicar por meio de diálogos ficaria muito tedioso.

Obrigado e o capítulo 1 de verdade sai amanhã \o/

Além da MuralhaOnde histórias criam vida. Descubra agora