Primeiro Encontro

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Já é de manhã, o despertador ao lado da cama avisa. Simon acorda assustado de mais um pesadelo. Já havia se tornado uma rotina as fortes dores de cabeça e o lençol sujo de sangue devido ao sangramento nasal. Ele se levanta preguiçosamente, por algum motivo Simon se sente diferente. Hoje ele completa dezoito anos.

Simon nunca gostou do seu aniversário, porque exatamente neste dia faz dezoito anos que sua mãe biológica o abandonou em um balde de restos de comida, talvez até para os cães da rua o devorarem, assim se livraria do problema permanentemente. Se não fosse por aquela humilde senhora com uma sacola de feira passar e ouvir seu choro de fome talvez agora ele não estaria completando mais um ano.

Simon caminha até o espelho que fica posicionado ao lado de uma pequena janela em seu quarto. Ele encara seu reflexo.

- Grande dia! - Diz com o olhar ainda fixo no espelho. Ele desvia o olhar para seu peito esquerdo. Levanta sua mão direita e aperta a marca que carrega desde o seu nascimento.

Simon nunca tentou entender o que ela significava. Não como uma simples mancha ou marca de nascimento. Ela era diferente. Seu formato lembrava um "A" meio desforme, como se alguém tivesse pegado um pincel e o desenhado ali. Mas hoje ela estava mais estranha do que o normal, ela parecia estar... Maior.

- Simon, vem comer alguma coisa! Disse uma voz calma e arrastada. Pam, como era conhecida, já tinha idade avançada e não tinha muitas forças para gritar. Seus olhos vermelhos e enrugados e sua pele coberta de cicatrizes afirmavam que ela teve uma vida de alguma maneira perigosa.

Simon caminha com sua postura lenta e encurvada de sempre para a pequena cozinha do trailer onde eles moram. A cozinha é pequena com apenas uma pia com alguns armários e uma mesa com duas cadeira. Era o suficiente para os dois.

- Bom dia Pam. - Simon diz pegando uma fatia de pão com manteiga e se encaminha para a porta de saída do trailer.

- Que Deus abençoe seu dia meu garoto. Você vai precisar. - Pam sussurra olhando Simon se afastar pela rua de terra que leva a rua principal. Eles moram no fim da cidade, um lugar afastado, mais foi por escolha de Pam se afastar da cidade.

Simon fazia sempre o mesmo caminho para o trabalho, uma loja de conveniência de um posto de combustível grande da cidade. Ficava a exatamente 8 quilômetros do trailer onde mora com Pam. Sempre que podia passava por uma pequena loja de antiguidades, não pelos objetos, mais sim pela balconista. Samara, ou Sam como gostava de ser chamada, uma linda moça de dezessete anos com longos cabelos negros e uma pele branca. Ela era tão linda que podia facilmente ser comparada a uma das bonecas de porcelana que se encontravam a venda nas prateleiras da loja. Sam cuidava da loja do avô desde que descobriu que tinha um tumor no cérebro. Como eram pobres e a loja não rendia quase nada a única solução foi esperar pela morte em um colchão fino e empoeirado.

- Pontual como sempre. - Sam disse com um sorriso escondido.

- Bom dia Sam. E seu avô? Está melhor hoje?

- Não. Ele já se conformou que não existem milagres. - Seu olhar ficou sombrio.

- As vezes coisas estranhas acontecem, sabia? - Simon diz em um tom confiante.

- Não com gente pobre... Isso é só besteira! - Simon olha uma Sam derrotada. Seu avô é seu único familiar vivo, sem ele a garota não tem mais ninguém e seu destino é incerto.

- Estou atrasado. A gente se vê. - Simon caminha em direção a saída mas para assim que alcança a maçaneta da porta. Ele se vira com um sorriso no rosto e olha para Sam.

- Vai ficar tudo bem! - Sam o olha com um brilho no olhar como se aquilo fosse tudo que ela queria ouvir.

O posto de combustível era enorme, com dezesseis bombas e uma frota de caminhões tanque, todos cheio de combustível. O proprietário , Arnold, era um velho casca grossa que gostava de tudo certo e ficava apavorado com uma misera faísca de fogo, por isso já havia colado cartazes enormes de "NÃO FUME", "NÃO USE CELULAR" e até um de "NÃO FIQUE NERVOSO", talvez ele achasse que um estressado fizesse fogo com o pensamento, sendo que ele mesmo gritava com tudo mundo.

- Outra vez atrasado, hein rapaz! - Simon entra correndo tropeçando e colocando seu boné ridículo que fazia parte do uniforme.

- Não vai acontecer de novo, prometo. - Disse Simon ofegante.

- Eu sei que não vai! - O velho virou as costas e saiu batendo a porta.

- Qualquer dia desses te dou um esqueiro de presente, velho rabugento! - Resmungou Simon olhando pelo vidro que dava para o escritório de Arnold e o vendo se sentar em sua mesa.

Simon inicia seu trabalho de todos os dias organizando os produtos na prateleira, limpando e atendendo os clientes quando entravam na loja. Já passam das onze da manhã quando Simon vê Carlos, um dos frentistas, indo em direção de um conversível preto.

- Bom dia senhor, o que vai ser hoje?- Pergunta Carlos gentilmente.

- Só um minuto, estou acabando de marcar uma reunião. - O motorista diz monotonamente ao frentista.

Como era horário de movimento no posto, uma fila começa a se formar atrás do conversível e os motoristas começam a buzinar.

- Senhor, não pode usar celulares aqui, regras do posto.- Carlos alerta o motorista do conversível.

- Regras? - O homem sai de dentro do conversível e encara Carlos que fica apreensível, ele não gosta de encrencas. - Eu quero que seu posto se dane! Você sabe quem eu sou?

-Não senhor. - Carlos diz dando um passo para trás.

- Claro que não, você não passa de um "zé ninguém"! - O homem diz batendo com o celular ainda ligado no peito de Carlos.

O velho de dentro do escritório escuta a briga e olha pelo vidro de sua sala. Ele vê vários motoristas saindo de seus carros.

- Simon, vai lá acabar com isso... Agora! - Grita ele com o garoto que se levanta de uma vez.

Simon retira seu boné e sai em direção ao tumulto.

- Quero um extra por servir de juiz de UFC.- Resmunga Simon.

O último carro da fila, uma van quatro portas ainda está com o motor ligado. A mulher em seu interior fica alterada com a briga que acontece do lado de fora. Ela não consegue entender como esse tipo de coisa sempre acontece com ela. Ela sai do carro que ainda está com a chave de contato virada e se aproxima da confusão.

Simon chega perto dos dois homem que a essa altura já estavam discutindo e assim que se prepara para perguntar o motivo da confusão é interrompido pela motorista que já chega gritando.

- Não interessa quem começou. é melhor tirar essa carroça da frente porque eu já estou atrasada e se eu ...

Ela para e observa todos em silêncio de boca aberta.

- O que foi?

Simon aponta o dedo para o final da fila, sem palavras. A van ligada andando sozinha de ré em direção a um dos caminhões cheio de gasolina. Ele não consegue acreditar que isso está acontecendo. Pelo jeito a placa de "NÃO FIQUE NERVOSO" tinha fundamento. A mulher se vira e arregala os olhos.

Nesse momento, Arnold olha de dentro da sua sala.

- Pelo menos o garoto serve para alguma coisa!- Diz sorrindo, mas seu sorriso morre assim que seus olhos se voltam para a van.

- Ai droga. - O velho diz já se preparando para correr.

Um clarão que podia ser visto a quilômetros e um barulho ensurdecedor foi ouvido na cidade inteira. A explosão alcançou um raio de quatro quarteirões em volta. Nesse segundo, Simon se viu encoberto por uma capa negra cheirando a peixe podre. Atordoado pelo barulho, ele apenas conseguiu se jogar no chão e tapar os ouvidos sentindo aquele cheiro horrível e esperando pela morte.





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