MEU ESTRANHO HÓSPEDE

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Um dia, acordei duvidando se meu corpo ainda me pertencia. A pergunta surgiu em minha mente numa manhã de outubro, quando levantei da cama e percebi minhas pernas molhadas de suor. No entanto, eu não havia corrido na noite anterior.

Confusa, encontrei pegadas de lama no carpete e arranhões nas paredes. Fiquei preocupada, então pesquisei na internet e achei o termo correto para o meu problema: Sonambulismo, um distúrbio do sono. Seria esse o destino que a vida me reservava? Eu perguntei ao rosto incrédulo e pálido da senhora que habitava meu espelho, mas ela não respondeu. A boca dela ficou seca e seus olhos tremeram, mesmo assim, eu já sabia que a minha história seria diferente.

Eu havia acabado de me divorciar e minha família tinha me abandonado, então encontrei abrigo na velha casa dos meus pais, no interior. Depois de vinte e cinco anos trabalhando como professora, finalmente pedi alguns dias de descanso para colocar minha vida em ordem e talvez achar um novo amor. O amor nunca veio, os dias viraram semanas, mas aqui, encontrei espaço para tudo o que precisava, especialmente o silêncio. As pessoas não sabem, mas depois de passar um bom tempo completamente calado, você aprende a se ouvir melhor. Foi assim que percebi que minha condição era diferente de outros sonâmbulos.

Algo tomava posse do meu corpo e toda noite, sem interrupções, mudava seu comportamento, como se tivesse uma personalidade. Às vezes, eu acordava para ver as cadeiras derrubadas, outras, eu sentia o cheiro do gás vazando na cozinha. Confesso que, apesar de não enlouquecer, eu fiquei paranoica e voltei a beber. Devia ter procurado um médico? Provavelmente, contudo meus amigos já me viam como insana. Eu não ia dar a eles essa vitória, então comprei uma câmera com visão noturna e instalei no meu quarto.

"Deve estar alucinando, Beth." Eu ouvi uma voz, talvez de minha consciência, sussurrando em meu ouvido. Acreditava que tudo acontecia por alguma razão, ainda assim, ela continuou repetindo o aviso pela noite inteira. Na manhã seguinte, abri a gravação e congelei quando a câmera capturou o exato momento em que meu corpo deixou de ser meu.

Começou em minha cama, quando de repente, meus braços gesticularam. Vestido em minha camisola, alguma coisa levantou-me pelos ombros com suas mãos invisíveis, como se eu fosse uma marionete, e permaneceu no escuro sem fazer nada. Alguns minutos se passaram e então, meus olhos se viraram para a câmera. Senti minhas pernas tremerem. Eram como se outra vida estivesse dentro deles.

Me encararam, sem emoção, e seu mestre decidiu deixar o meu quarto. Eu avancei o vídeo daquele momento até ele voltar, horas depois, já no amanhecer.

Enquanto eu preparava o almoço, minhas mãos suaram.

— Preciso resolver isso. – Sussurrei baixinho, embora ninguém pudesse me escutar. Ou podiam? Com tamanho problema pesando em minhas costas, eu levei muito tempo até tomar uma decisão. E com uma folha de papel e uma caneta, escrevi a pergunta que mudaria tudo.

"Tem alguém aqui?" Era uma ideia ingênua, eu sei, quase infantil, no entanto, meu cérebro não raciocinava direito. Deixei o bilhete sobre a mesa sentindo o gosto desagradável de medo descendo em minha garganta. Com um copo de café e um longo suspiro, relaxei. Para o meu choque, uma resposta me aguardava no dia seguinte.

Meu nome é Joseph. Ele escreveu numa letra tão bela que eu nunca conseguiria copiar. Prazer em conhecê-la, Elizabeth. Completou, gentilmente. Talvez fosse um ladrão pregando uma peça em uma senhora, então não confiei até voltar mais tarde com mais três câmeras que eu instalei na cozinha, na sala de estar, e no corredor entre os quartos no segundo andar. Mais uma vez estava certa e o único estranho gravado foi o que estava vestindo minha pele.

Andava aos trancos, pois meus olhos não distinguiam o chão no escuro. Era um homem, ou ao menos parecia ser um, pois não conseguiu caminhar com meus calçados de salto. Roncando profundamente, ele avançou pelo corredor com o meu corpo enquanto batia meus ombros na parede. Moveu-se em círculos, voltou ao meu quarto e repetiu a mesma rotina até se cansar e me colocar na cama.

Meu Estranho HóspedeOnde histórias criam vida. Descubra agora