Hello

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Como sempre, eu só a observava de longe. Seu nome era Caren, a menina mais linda de toda a escola. Longos cabelos castanhos, sempre presos por um tic-tac em um meio rabo de cavalo com o restante solto, lábios cheios e rosados como suas bochechas, e seus lindos olhos cor-de-mel. Eu nunca dirigi uma palavra à ela. Garotas como ela não falavam com caras como eu. Ela era linda, angelical, e eu só o isolado anti-social. Nossos destinos se cruzaram tão de repente quanto se divergiram.

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Era verão, início das aulas, ela estava no corredor com uma amiga e eu passando com meus livros na mão, eu tropecei - tenho certeza de que algum dos caras do time de vôlei pôs um pé para eu cair - fui de joelhos ao chão e meus livros junto, me pus de quatro pegando todos. Eu já não sentia vergonha, nem raiva, nem confusão, era comum, era corriqueiro que algo assim ocorresse. Logo estava Caren na minha frente, me ajudando a pegar os livros do chão, seu sorriso simpático, tentando ser gentil, ela estava o tempo todo sendo gentil com todos.
- Crepúsculo? - Ela observou. Eu só sorri tímido, era a primeira vez que ela falava comigo desde... Sempre. - Nunca vi nenhum garoto que lesse isso. - Ela permanecia sorrindo, era como se só ela existisse em minha frente. - Você por acaso não é...
- Oh, não! Gosto de mulheres. - Eu abaixei a cabeça. Merda. Tinha certeza de que tinha corado. Deveria ter me sentido constrangido, mas sorri pra ela.
- Eu também leio a saga, podemos nos encontrar no pátio, na hora do intervalo, embaixo da árvore, podemos fazer um clube do livro, o que acha? Você e eu, conversando sobre o que gostamos todos os dias! - Como ela podia ter um sorriso tão lindo?
- É claro. - Foi só o que consegui dizer.
- Começamos hoje, sim? - Ela tirou um livro da mochila, o qual me mostrou a capa. - Trouxe o meu, veja.
- É claro. - Novamente.
- Você é legal. Te vejo na árvore, ao intervalo. - Ela acenou meiga e foi em direção à sua sala, eu fui pelo lado oposto, à minha.

O sinal tocou para o intervalo, fui direto à árvore, queria que ela estivesse mesmo lá, mas ao mesmo tempo duvidava que ela estaria. Mas ela estava. Abrimos o livro e começamos a discutir as cenas e os personagens sob nossos pontos de vista. Ela disse que era divertido ter a opinião de um cara sobre um romance desse tipo. Eu só sorria.
Eu lia ansiosamente cada capítulo em um dia para podermos nos reunir o mais rápido possível para a discussão do mesmo e, ao fim do livro Amanhecer, já estávamos mais próximos que eu jamais imaginaria. Eu finalmente estava me abrindo com ela, mas ainda sem coragem de expressar o que eu sentia de verdade.
- Onde se escondeu todo esse tempo que nunca te achei? - Ela disse fechando o livro. - Podíamos ser amigos há muito mais tempo.
- Eu... Sempre tive vergonha de falar com você, achava que seria ignorado... Você é tão... Linda... - deixei seus olhos cor-de-mel me levarem. - Estúpida e indescritívelmente linda. - Quando dei por mim, ela havia me puxado para um beijo, um beijo longo, intenso, apaixonado. Senti faíscas no meu peito, nunca senti isso antes por nenhuma menina. Eu a puxei e segurei pela cintura, ela veio parar sentada de frente no meu colo, ainda aos beijos e a chuva caiu. Não nos importávamos, continuamos a nos beijar, ali, embaixo da árvore, no pátio da escola, na chuva, no horário do que seria pra mim a aula de inglês e para ela de literatura.

Continuamos nos vendo para ficar todos os dias, até matávamos aula para ficar juntos, nos abraçando, nos tocando, nos beijando, trocando palavras e gestos de amor, às vezes a levava presentes, ela fazia o mesmo para mim. Após um mês, tomei a coragem necessária para pedi-la em namoro.
- Caren... - disse entre o beijo.
- Hum... - Ela não parecia querer desgrudar os lábios dos meus, mas eu precisava falar. A afastei com selinhos.
- Seja minha namorada? Para sempre? - A selei mais uma vez.
- O quê? - Seus olhos brilharam. - Quer mesmo?
- É o que eu mais quero. - Meus olhos não deixavam os seus, transmitindo toda a sinceridade dos meus sentimentos. - Acho que eu te amo. - Embora ela estivesse sempre sorrindo, nesse dia ela sorriu como nunca.
- SIM! Sim, sim, sim! - Me selou forte. - Sim! Quer saber? Acho que também te amo. - Nos beijamos mais uma vez, dessa vez, ela prendeu suas pernas em minha cintura e a segurei pelas coxas ainda a beijando.

Como tudo o que é bom dura pouco, mais 3 meses e era o fim do ano, nossas férias, como sempre, todos iriam viajar, e eu estava planejando ir à casa dela conhecer seus pais após o Natal, quando ela voltasse da viajem que disse que faria para Vitória, no Espírito Santo - iria à casa de alguma tia - foi quando o destino... Esse destino brincalhão, resolveu me pregar mais uma peça. Vi no noticiário um acidente entre um caminhão e um carro de passeio numa estrada que voltava do sentido de Vitória, Espírito Santo. Todos os passageiros do carro morreram, uma família inteira, pai, mãe e uma linda filha dos olhos cor-de-mel. Meu mundo desabou.

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Acordei com o barulho irritante do sino da escola soando no meu ouvido. Aquele mesmo barulho agudo e ensurdecedor que sempre odiei.
Não sei se eu dormi durante o intervalo ou sequer fui à aula... Tem sido assim desde aquele dia, eu venho e me sento embaixo dessa mesma árvore, afastado dos outros e às vezes durmo pensando nela, na minha Caren.
Ouço o barulho da chuva cair no gramado e olho para cima, há uma semana ameaça chover e o tempo fecha... Desde aquele dia, mas hoje o céu está pior, totalmente cinza e a chuva finalmente decidiu cair.
Me encolhi com a cabeça entre as pernas novamente, me abrigando da chuva embaixo da árvore.

- Pedro. - Ouvi a voz doce que eu conhecia muito bem me chamar. Levantei a cabeça e me vire. Era ela mesma, a minha Caren. Encarei-a incrédulo.
- C-Caren? - Não pude acreditar no que via. "Só posso estar sonhando", eu pensava. - Não, você não está falando comigo, devo estar alucinado... Melhor, deve ser só mais um sonho bom.
Ela vestia um vestido longo e branco com alças finas, seu belo rosto com lindas bochechas rosadas parecia brilhar, seus lindos lábios cheios, igualmente rosados, seus cabelos escuros e lisos, soltos, caindo como uma cascata à suas costas. Mesmo sem maquiagem, ela era formidável.
- Eu definitivamente estou sonhando. - Disse ainda hipnotizado pela beleza indescritível da linda Caren dos olhos cor-de-mel.
Ela se aproximou com seu sorriso sereno e se agachou à minha frente.
- Você não está sonhando. - Ela tocou minha bochecha com seu polegar. - Já pode parar de se esconder atrás da dor, querido.
- Não estou escondendo nada! - Bastou que ela sorrisse para mim, só assim pude admitir para mim mesmo que eu estava me escondendo, estive mentindo o tempo todo. Para todos. Para mim.
Há uma semana me escondo por trás do menino solitário que eu era antes de me relacionar com ela, fingindo que não sofria, tentando convencer a mim mesmo de que era só uma fase para evitar o sofrimento eminente. Mas era mentira, estava estampado na minha cara, Caren era muito mais importante do que os outros viam.
Admitir isso fez a válvula da dor se ativar e toda ela escorreu pelo meu rosto em forma de uma cachoeira de lágrimas.
- Pronto, querido, não chore. Já acabou. - Ela me acalmou com seu tom de voz manso.

Depois de acalmar os soluços, fui finalmente invadido pelo choque de realidade.
- M-Mas, Caren... Você está... Você... Não tinha... Ido? - Ela se levantou e sorriu me estendendo a mão. Eu pronta e impulsivamente peguei sua mão, me levantei de frente para ela. Ela não era um espectro ou um fantasma, eu podia senti-la.
- Demora um tempo para se acostumar... Mas sim, eu fui. - Ela não tirava seu sorriso reconfortante dos lábios.
- Eu... Eu te sinto. Como? - Ela apenas me virou para fitar embaixo da árvore, ali, em meio a chuva, no mesmo lugar de onde levantei, eu mesmo. Sentado. A cabeça pendendo para trás, os braços caídos, dois profundos cortes nos pulsos e poças de sangue embaixo deles. De repente soube que eu não estava dormindo.
- Fui egoísta demais em te querer para mim, além da eternidade? - Ela sussurrou ao meu ouvido. Me virei para ela perplexo e assustado, mas logo a expressão de susto se tornou num sorriso, ela o devolveu. Segurei sua mão e uma aura brilhou em nossa volta.
A partir dali sabíamos que ficaríamos juntos para além da eternidade.

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