A parede para a qual eu olhava fixo era muito branca, os lençóis desta cama muito brancos, um quarto iluminado demais em contraste com o negrume dos meus cabelos espalhados por toda a fronha branca.
Eu lutava com minhas pálpebras que pesavam e queriam se fechar, mas eu queria continuar acordada, queria sentir todo aquele torpor, parecia que eu estava bêbada, mas muito melhor, perto de um orgasmo, mas muito mais intenso e duradouro. Algo entrou e se emaranhou em meus cabelos, puxando de leve na nuca. Era uma das mãos dele e eu arfei. Eu arfei e ele parou. Tudo voltou a escurecer lentamente e ele, que estava, outrora, deitado ao meu lado, ajoelhou-se em minha frente com sua palma esticada em minha bochecha.
- Como se sente, princesa? - sua voz era gelada e afiada, como a lâmina de uma espada.
- B-bem. - balbuciei ainda em êxtase. Ele sorriu. Com seu sorriso, pude prestar atenção no vermelho em sua boca, brilhando em seus lábios, vermelho esse que me pertencia completamente, afinal, era o meu sangue.
- Você está ficando muito magra e fraca... - ele me analisou, dessa vez eu podia dizer que havia um quê de preocupação em seu tom... Não havia? - Vou te deixar descansar um pouco. - o vampiro passou o polegar por minha maçã do rosto enquanto limpava meu sangue do canto de seu lábio com a língua. - Te deixar se recompor.Imediatamente fiquei lúcida e levantei de um pulo.
- Não! - exclamei. Eu tremia em desespero. - M-mas e você? Precisa se alimentar... Não, você não pode! Volte... Agora... Eu estou bem! Por favor! Estou bem! - eu implorei.
Ele sentou ao meu lado e pôs a mão em minha bochecha.
- Shhh... Eu vou dar um jeito por enquanto... Até você ficar boa. - Eu chorei desesperada. Não podia imaginar ele tocando a bochecha de outra, fincando suas presas em outra, alimentando outra...
- Não pareço boa o bastante? - eu queria dizer boa o bastante para ele. Para ser exclusiva. Sua única presa. Sua única cativa. Seu único adorno. Sua única submissa. Sua única. E ele entendeu.
- Descanse. - seus olhos se iluminaram e eu caí. Dormi lutando com meu cérebro para ceder e permanecer acordada. Cedi e meu pulso pendeu na corrente ligada à cabeceira....
No dia seguinte, eu acho... Não tinha muita noção de tempo presa aqui... Mas, quando acordei, ele estava lá. Como sempre, ajoelhado com a palma da mão em meu rosto, uma bandeja com uma sopa bastante encorpada na cômoda e seu belo sorriso.
- Dormiu bem? - ele passou seus dedos por entre meus cabelos.
- Por que você fez aquilo? - eu me sentei e encostei na cabeceira, ele pegou uma colher da sopa e a esfriou assoprando.
- Detesto te ver chorar daquele jeito. - ele levou a colher até a minha boca. Ele não me soltava para nada. Nem para comer, nem para tomar banho. Ele fazia tudo por mim, eu sabia, sentia, cada célula do meu corpo sabia convicta de que ele fazia isso com todo seu cuidado, que ele se importava, no fundo, bem no fundo ele devia se importar... Eu sei que ele jamais se livraria de mim, ele não faria isso... Se eu não aguentasse mais, algum dia, eu sei que ele pararia... Para o meu bem.
- Você não precisava de outra. Eu estava bem. Estou bem.
- Tem razão... Eu só preciso de uma. - a sopa acabou.Ele se sentou na cama, me puxou para ficar entre suas pernas e afastou meus cabelos. Eu me inclinei o quanto pude, para mostrar que ele poderia ter tudo de mim. Tudo o que ele quisesse. Quase o implorando que sugasse tudo o que eu tinha.
- Você tem certeza de que aguenta? - ele sussurrou em meu ouvido.
- Sim! - exclamei de imediato. Por ele eu faria qualquer coisa. Morreria se ele precisasse.
Ele sequer hesitou, fincou as presas em minha jugular, tão vorazmente que eu senti o jatos do meu líquido espesso saírem pelas fendas em minha pele. Suspirei quando o torpor veio e o quarto começou a se iluminar aos poucos... Então veio a tontura, a fraqueza, eu queria dizer que se ele continuasse me mataria, mas o torpor era tanto que eu não pude... Mas ele perceberia, perceberia que eu enfraqueci e então me daria uma pequena trégua. Senti um alívio ao vê-lo parar com a moleza do meu corpo. Estava prestes a desmaiar, mas ainda consciente.
- Você tem toda a razão, princesa. - ele continuou o discurso anterior. - Uma me basta. Dá muito trabalho gerenciar duas, e francamente? Para você já virou obsessão. - ele fez uma pausa. Olhou bem para o meu rosto e beijou meus lábios, pude sentir o gosto de ferrugem do meu próprio sangue. Gemi em protesto com seu afastamento dos meus lábios, queria buscar por mais, mas não tinha forças para me mexer, só emitir alguns sons. - Adeus, meu amor. Se te consola, você foi a que mais durou... Mas tudo tem um fim. Perdão, acho que é hora de você ir. - e voltou ao meu pescoço.Não podia acreditar que ele estava fazendo isso comigo... Ele me amava. Não amava? O torpor foi diminuindo, meu corpo inteiro adormecendo e eu continuei esperando que ele parasse, que me mantivesse com ele. E ao perceber que ele não pararia, foi tarde demais. Algumas lágrimas escorreram pelo meu rosto e eu emiti com sacrifício.
- Por favor... - eu falava fraco. - Eu ainda posso me comportar...Mas ele não deu ouvidos. Ele sugou tudo de mim. Até que meu espírito se esvaiu e eu apaguei de vez. Para sempre.
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Evanescer (Coletânea de Contos)
Short Story--------------------------------- Coletânea de contos originais inspirados nas letras de algumas canções da banda Evanescence, que serão postados semanalmente. -----------------------------------