△ CAPÍTULO ÚNICO △

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Se não me engano foi quando andávamos na sexta série... Sim, isso mesmo, numa aula de Ciências. Realmente, depois de pensar bem, não sei dizer com certeza se ela era ingénua ou um génio incompreendido: Tinha sempre uma pergunta sem resposta na ponta da língua, pronta para sair quando fosse preciso...

Todos tínhamos os manuais abertos, ainda que só ela prestasse atenção na aula. Num ápice, chamou a atenção de todos os alunos:

- Professor? Será que é "Meio Ambiente" por que já destruímos uma metade? – perguntou ela, ainda com o indicador estendido e com uma expressão inocente. Olhei em volta e vi que todos estavam tão espantados e sem resposta como eu. Era de esperar que o professor respondesse algo como "O meio ambiente é um sistema formado por elementos naturais e artificiais relacionados entre si e que são modificados pela ação humana", justamente a matéria que tínhamos andado a falar nas últimas lições, mas em vez disso surpreendeu-nos:

- Ai, ai Jihyo... Essa sim é uma boa pergunta. Na verdade, acho que todos no mundo deviam ter-te ouvido neste momento, não acham? – ele sorriu docemente antes de voltar à sua aula.

Exatamente... Foi desde ai... Desde esse momento que me tentei aproximar dela... Ouvir mais das suas perguntas sem resposta...
E assim fiz. Em vez de jogar à bola com os outros rapazes, acabar os trabalhos em atraso na biblioteca ou tentar falar com as meninas, ficava na sala de aula com Jihyo. Eu não fazia aquilo para me sentir um héroi ao falar com a "rapariga sem amigos" da turma, eu fazia-o porque simplesmente gostava de imaginar boas respostas para as suas perguntas...

O tempo foi passando... Acho que erámos considerados melhores amigos... Certo dia, na oitava série, ficamos na sala de artes após o toque... Algo que já não fazíamos à muito tempo...
-Suga? – ela parou de brincar com o lápis e olhou-me pelo canto do olho - Se o lápis número 2 é o mais vendido no mundo, porque continua a ser o número 2?

Eu comecei a rir. Acho que até me vieram lágrimas aos olhos, não me lembro... Peguei no meu cadernos de capa preta, um pequenino, folhas A5, e transcrevi o que ela tinha dito para o papel.

- Vai com calma... O semestre só começou há dois meses e já enchemos 23 páginas... - disse eu. Depois mostrei-lhe o caderno. Primeiro, olhou-o como se fosse a primeira vez que o vira, depois tirou-mo da mão, acrescentou algo e devolveu-me com uma expressão pensativa e séria: "Se uma pessoa nasce surda-muda. Em que língua ela pensa?". Depois riu, talvez pela minha reação... Ou melhor, a minha "não reação".

E os anos passaram rápido, como um relâmpago.
Sinceramente, consegui encontrar algumas respostas para as suas perguntas mais fáceis, mas agora, mesmo depois de pensar muito, não consigo. Não sei porquê, as suas perguntas tornaram-se complexas e realistas. E eu não consigo responder...

-Suga, a partir de que idade se pode dizer que uma pessoa morreu de velhice?

- Sei lá... - respondi rápido – E é Yoongi, não Suga... Pensei que já tínhamos falado sobre isso... - fiz uma longa pausa - Já sabes para onde vais, Jihyo?

- Eu?... Sim sei. Vou voltar para a cidade onde passei a infância, vou para a universidade de letras lá. E tu?

- Eu vou continuar cá, na universidade de Ciências aqui perto.

-Certo... Que bom...

Acho que aquele foi o ano em que menos falámos. Ela tinha os seus amigos e eu os meus. Não tardou até chegar à altura da grande despedida. Foi no início do Verão, a temperatura estava amena e havia algum vento, pouco mas havia. Todas as turmas estavam reunidas no refeitório, agora sem mesas, a festejar. Não fazia a mínima ideia porque estávamos a festejar uma despedida. Se calhar, eles estavam tão fartos de mim como eu deles. Já no fim, Jihyo aproximou-se de mim e, pela manga do casaco, arrastou-me até a uma das salas do primeiro andar. Fechou a porta e tirou da sua mala um embrulho.

- Não era preciso...

- Claro que era, Yoongi, afinal és meu amigo, não é? – afirmou ela com um sorriso enorme no rosto e lágrimas nos olhos. Acho que era a primeira vez que a via tão feliz e tão triste ao mesmo tempo.

- Obrigado – agradeci e desembrulhei o presente – Uma moldura? – questionei-a com um sorriso torto.

- Sim... - depois apontou para a máquina instantânea que tinha nas mãos. Como é que ela tinha ido lá parar? – Posso?

- Claro! Claro que sim! – abracei-a e trouxe-a para perto de mim, ela esticou o braço com a lente voltada para nós – Um... Dois... Três! – e um clarão branco iluminou a sala. Um pequeno papel saiu da máquina e ela apanhou-o a tremer, talvez com medo que ela caísse ao chão. Olhou para a foto, sorriu e entregou-ma. Nenhum de nós sorria nela. Foi uma "pacto" que nós fizemos. Pensa comigo...Normalmente, quando sorris para uma foto, estás a fazer um sorriso falso... A única razão para estares a sorrir é para ficares bem na foto. Claro que há casos em que isso não é bem assim, mas, é o que se passa na maioria dos casos em geral...

- Eu também tenho uma coisa para ti... - acabei por falar. Abri a porta da sala e com a cabeça fiz sinal em direção aos cacifos. Ela percebeu a mensagem. Abri o meu e tirei de lá um caderno... O caderno... - Fica para ti, é como uma lembrança. Pensa em mim quando o leres.

Jihyo pegou nele e sorriu. "Obrigada", agradeceu ela baixinho. Depois abraçámo-nos durante um longo tempo até sermos interrompidos pelas luzes do corredor que se tinham apagado...

- Porque é que as melhores pessoas são as que vão embora mais cedo?

- Não sei... Realmente, não sei...

Se eu soubesse que aquele tinha sido o nosso último abraço, tinha a abraçado com mais força.

Fim

Questions [OneShot]Onde histórias criam vida. Descubra agora