Trilogia O Círculo dos Imortais
Do Sacrifício à Ascensão
Vol. III
PARTE I
ELA, O MITO
"A religião é o suspiro do oprimido, o coração de um mundo insensível, a alma de situações desalmadas. É o ópio do povo. A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real."
— Karl Marx —
– LONDRES, após a morte do Cordeiro de Blaine –
— Não há nada mais profano ou divino sobre a Terra do que nós. Geramos vida, e também a tomamos. Isso não faz de nós deuses? Manipulamos a criação na palma de nossas mãos. Eles são nossa imagem e semelhança, os castigamos por suas transgressões, mas, quando nos convém, somos misericordiosos. Vês, Lester. Estamos além da Morte.
O que procedia um desfecho trágico, a devastação de uma hecatombe? Nenhum deus ex machina revelou-se por entre as nuvens do firmamento para estabelecer seu arbitrário e miraculoso encerramento. Só houve choro e ranger de dentes, lágrimas salgadas e gritos inexprimíveis. A clareira poeirenta dera boas-vindas ao Inverno, implacável e decisório Inverno. Lutas explodiram, o tinir das espadas e o bramido das feras da Noite enchendo o mundo com seu retumbar animalesco. Nenhum deles jamais esqueceria a sucessão de eventos terríveis, culminando assim no prelúdio da Guerra, não por posse territorial, mas por sobrevivência, vingança. Não voltariam a ser as mesmas, aquelas criaturas. Em cada um deles, uma cesura profunda e dolorosa havia sido deixada. Eram mais sábios, também, os perdedores. Os que triunfaram beberam do cálice da arrogância, ensoberbecendo-se ainda mais. E há um velho e profético ditado popular sobre isso, não?
Escale o quanto puder, mas esteja preparado para a queda — e elas sempre vêm.
Decerto, há mais lições na derrota do que na vitória. Os perdedores tendiam a exigir um segundo combate, para prevalecer ou aprender, não importava. Desistir não era uma opção.
Houve, também, o silêncio, profético e ruidoso silêncio.
Os indícios estavam lá, em breves cicios, no farfalhar manso.
A ameaça iminente rastejava na quietude, com cautela, astuta qual uma serpente maligna. E, como o animal, abocanhara sua presa num golpe sorrateiro, preciso.
Assim, ela, o Cordeiro de Blaine, aquela que desafiara o Pacto, os Imortais e os Caídos, havia sido assassinada.
Nesse instante, a ausência de som reinou uma vez mais. Toda voz se calara, até a natureza estagnara sua ira. O mundo assistira, num silêncio fúnebre e atônito, as cores da vida desgarrarem-se do corpo daquela que lutara até o fim, o derradeiro fôlego de vida. A alma, no plano espiritual, dançara sem música, ainda confusa, dolorida por ter sido arrancada de maneira tão brusca. Fora o Gênesis e o Apocalipse, o Velho Mundo e a Nova Era convergindo. Seu amante, o mercenário de Whitechapel, pranteara a palidez mórbida dela, a boca que não emitia som, os olhos opacos e desprovidos de vida. As esmeraldas vorazes cravejadas no crânio renunciaram ao vazio, não dum abismo que prometia muito em sua escuridão misteriosa, mas a própria inexistência, a ausência de tudo.
Quando a misteriosa nuvem violeta se fechou no céu do crepúsculo matinal, engolindo com sua boca disforme as bestas da Noite — os Caídos, criaturas de asas negras lançados à Terra, a Mulher Escarlate e seu servo, o Cão de Três Cabeças — os alquebrados Imortais retornaram aos seus lares para terem descanso. Não apenas isso, mas um momento onde pudessem restabelecerem-se, elaborar seus planos à surdina enquanto o inimigo se rejubilava com a vitória alcançada. O Inverno era, indubitavelmente, uma estação rigorosa.
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Do Sacrifício à Ascensão - Trilogia O Círculo dos Imortais Vol. III
Misterio / SuspensoTerceiro volume da Trilogia O Círculo dos Imortais