Prólogo

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"Dia 1.

Não consigo descrever o que sinto neste momento, nem sequer sei como estou a conseguir escrever este pedaço de papel. Acontecimentos bizarros aconteceram hoje. Tudo está confuso e sem qualquer explicação para mim. Perdi a minha esposa e o meu filho, Frank... Eu matei-os. Sim, eu matei-os...

Quando acabei o meu dia de trabalho e cheguei a casa, eles estavam estranhos. Não me respondiam. Nunca os tinha visto assim, pareciam exaustos e espumavam da boca como se estivessem doentes. Então, lentamente levantaram-se e caminharam na minha direção. Não pareciam caminhar, era como se se arrastassem. Fiquei assustado... Perguntei-lhes o que se passava. Eles não me ouviram e continuaram a vir na minha direção cada vez mais rapidamente.

Eu não sei o que se passou... Porque fizeram eles aquilo? Eu nunca vi nada assim. Estarei a delirar? A tornar-me um psicopata? Acabei de matar a minha família e estou a escrevê-lo num velho caderno empoeirado.

Ela... Não sei, era como se não fosse ela. Os seus olhos eram vermelhos, estavam claramente injetados de sangue e ela transpirava. Parecia estar com falta de ar. Era como se me implorasse para a salvar, mas eu tive medo. Ela agarrou-me, abriu a boca que espumava e... Ela tentou morder-me. Eu dei um salto para trás e peguei no meu machado, receoso. Pedi-lhe para parar e voltei a perguntar se estava bem, mas ela não estava em si, voltou a atacar-me. Ela mordeu-me o braço... Mordeu-me a carne profundamente. Não pensei que fosse possível uma pessoa morder com tanta força quanto a sua. Não creio que ela estivesse em si, não era a mulher por quem me apaixonei, não podia ser... Eu tive medo e matei-a... Eu puxei o machado atrás das minhas costas e cravei-lho no peito. Eu não a consegui salvar, eu tive medo...

Tive de matar o Frank logo a seguir, ele tentou atacar-me também. Talvez o devesse ter prendido ou algo do género, mas ambos estavam mais fortes do que aparentavam ser. Cada um tinha a força de dez homens.

Pelo menos consegui salvar o Kliff. Ele estava no seu berço no quarto. Eu acho que não conseguiria sobreviver se tivesse perdido toda a minha família. Kliff é a única coisa que me dá força para continuar a viver depois deste homicídio que cometi à minha própria família.

Enterrei-os, fiz-lhes o funeral mais digno que consegui, mantive o sangue frio. Limpei a casa, limpei o sangue que havia na nossa casa. E chorei. No fim de tudo, chorei sozinho. O Kliff dormia como um anjo.

Estou a pensar em abandonar a casa com o Kliff. Faço as malas e viajamos para a capital... Talvez fiquemos apenas em Pennlake. Não me parece que tenha dinheiro suficiente para começar uma vida do zero com o Kliff. Este sítio cheira a morte e não aguento continuar a viver aqui muito mais tempo, estou a abandonar o meu lar. Tem de haver alguma explicação. Eles só deviam estar doentes. Deuses, o que fiz eu? Eles podiam estar doentes e podia haver uma cura e eu matei-os sem piedade e sem pensar primeiro.

O meu ferimento no braço está feio. Tive muita dificuldade em estancar o sangue e parece não querer sarar. Será contagioso? Já tinha visto algo semelhante na capital, uma das vezes que lá fui, aquela doença dos cães a que os químicos chamavam raiva. Talvez a minha família tenha contraído raiva de alguma forma.

Nenhum deles tinha uma única marca, nem uma dentada ou um arranhão no corpo. Como poderiam ter sido infetados por um animal se nem foram mordidos?

Estou a ficar com poucas saídas. A minha vida tornou-se uma desgraça num só dia. Serei um assassino a escrever o seu currículo?

Hotto."

As Crónicas da Reconquista - Livro 1 "Bastardo"Onde histórias criam vida. Descubra agora