12. Covarde Porém Vivo.

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João

Tudo bem. Dei uma de covarde, mas tinha de ser. Questão de amor à pele, instinto animal. Qualquer bicho tem. Outro dia joguei uma barata na privada, viva, e ela lutou um tempão contra a descarga.

O beijo no elevador me deixou completamente enlouquecido. Nunca tinha acontecido assim, daquele jeito. Quase sempre era uma coisa meio artificial , os dois sem jeito, fazendo só porque tinha de ser feito, é  o que se espera da gente afinal, senão depois os amigos falam:

- Pô cara, e aí? Se deu bem? Não? Que vacilão. A menina tava afinzona!

Com a Aline foi como se houvesse alguma coisa fora da gente nos empurrando. Bom demais. Uma loucura. Mal consegui andar depois. Minhas pernas tremiam.

Mas em casa, olhando pro teto, completamente sem sono, lembrei do Renato. O desgraçado me mataria se descobrisse.

Ele só fingiu engolir minha interferência na briga, e não deu um pau porque queria que esquecessem a história toda. Agora, se me visse aos beijos com a Aline, o idiota acharia que afinal compreendera tudo e eu estaria frito.

Como falar aquilo pra ela sem parecer um covarde?

Rolei na cama, pensando, e quando consegui dormir sonhei com uma sala cheia de ratos gordos vendo novela.

Acordei disposto a enfrentar o mundo pelo meu amor, não ligar pra nada, assumir minha paixão, beijar aquela boca linda bem lá, no meio do pátio, na frente do colégio inteiro, mas, quando entrei na sala e vi o tamanho do Renato, voltei a pensar desesperadamente numa boa desculpa.

Eu tinha uma teoria. Achava que o pensamento era um instinto de defesa criado pelos fracos pra enrolar os fortes.

Então a encontrei sozinha na rampa e disse que era melhor não contarmos pra ninguém o nosso lance. Não expliquei muito. Fiz um ar misterioso, meio místico, insinuando que seria melhor pra nós dois, por causa da inveja. Ela concordou logo.

Foi um papo rápido.

À tarde, passeamos no shopping, conversamos mais e concluímos que as pessoas em geral não suportam a felicidade alheia. Fizemos, então, um pacto de silêncio.

Eu não me cansava de nos ver. Mesmo lá, diante das vitrines,  olhando nossos reflexos, não acreditava.

Na tarde seguinte fomos à praia.

Dois dias depois, ao cinema.

E aí a convidei pra almoçar fora e nesse dia rimos muito porque contei a ela uma história maluca. Jurei que não contaria, mas contei logo.

É que, uns dois meses antes, cismara de ficar forte, mas sem ir às academias, essas bobagens, daí  comprei um aparelho de rema-rema.  Como não tinha dinheiro, comprei um usado, barato, só que cor-de-rosa.

Não havia como esconder o infeliz. O sujeito que me vendeu disse que caberia atrás da porta. Só se fosse um portão de castelo medieval.

Ficou aquele rema-rema rosa lá, ridículo, no meio do meu quarto, e até parei de chamar os amigos pra ir lá em casa.

Se pelo menos servisse pra alguma coisa. Na primeira semana malhei direto, duzentas vezes à tarde, duzentas vezes antes de dormir, e o máximo que consegui foi uma tremenda dor nas costas e bolhas nas mãos. O traste acabou abandonado, encostado na parede. Resolvi vender.

Coloquei anúncio no jornal, duas vezes seguidas. Ninguém ligou. Esqueci.

No dia em que marquei o almoço com a Aline, um sábado de manhã, uma mulher telefonou perguntando se eu já tinha vendido o rema-rema. Eu disse que não e ela ficou de passar lá em casa. Esperei meio aflito, precisava sair. A mulher, uma gordinha, embrulhada numa malha de ginástica amarelo,  apareceu em cima da hora. Levou o rema-rema, dizendo que era pra sua filha. Eu disse que ele era da minha irmã. Ninguém queria assumir.

Apressado, enfiei a grana que ela me de no bolso e saí.

O restaurante era do tipo fino. Não olhei os preços e pedi até uma garrafa de vinho português, sobremesa e tudo que tinha direito. Quando veio a conta comecei a suar frio e tive vontade de chorar. Umas dez vezes mais do que eu levei. Mas aí me lembrei do dinheiro do rema-rema. Exatamente o valor da conta.

Paguei e disse pra Aline:

- Acabamos de comer meu rema-rema.

Dali pra frente nossa moeda passou a ser rema-remas. Um tênis importado custava um rema-rema. Duas pizzas grandes com sucos, meio rema-rema.

Moral da história: estávamos tão idiotas como só duas pessoas apaixonadas são capazes de ficar.

Primeira vezOnde histórias criam vida. Descubra agora