Não foi uma noite boa como a de sexta, o relógio marca 06:00 e eu ainda não dormi nem um minuto. Contei o número de manchas que a chuva já fez no meu teto de madeira, são 38... ainda está escuro lá fora, o silêncio foi corrompido a pouco mais de uma hora pelos trabalhadores apressados dirigindo seus carros barulhentos destinados a um emprego monótono que deve lhes sugar as energias. Assim que decido me levantar meus pés tocam o piso frio do quarto e meus olhos continuam alerta, não gosto de dias assim, me sinto esgotada mas sem uma gota de sono
- Já acordada Eduarda?- minha mãe, uma senhora na casa dos 40 usando uma roupa toda colorida de ginástica, com os cabelos ruivos presos e uma animação fora do normal.
-Bom dia mãe.-eu a ignoro
-Ah, Duda, você pode ir com seu irmão ao mercado depois da aula?
-Aham.- na verdade não estou prestando atenção, reparei que ela trocou as cortinas da cozinha, eu não gostei. Mordo minha maçã três vezes e a largo na mesa, posso sentir o olhar de reprovação da minha mãe pelas minhas costas mas não dou atenção
O banheiro está quente e o vidro está embaçado, o que é bom, evito ter de me olhar, evito sentir aquela pontada de vontade de me arrumar decentemente para o colégio. Me dispo e as roupas ficam no chão do cômodo, a água fria cai nos meus ombros e cabelos, o banho dura meia hora e agora são 06:48, ainda é muito cedo, mas já retornei ao meu quarto e começo a me vestir, uma leggin, uma camiseta preta grande de mais, um all-star, está mais do que bom, escovo os dentes e penteio os cabelos, eles batem na altura da minha cintura, são lisos e começam a ondular nas pontas, mamãe diz que puxei o cabelo do meu pai, mas na verdade acho que nem ela sabe quem é meu pai, e se sabe não quer contar.
Ela já me disse que ele era árabe, estadunidense, canadense, asiático, russo, índio, que era alto, baixo, branco, negro, bonito, feio, gordo, magro... eu cansei de perguntar.
Quem teve esse papel protetor por mim foi o Eduardo, meu irmão 2 anos mais velho, ele conhece o pai dele, mas os dois se viram poucas vezes, são idênticos, brancos, muito brancos.Após a ida ao mercado com Dudu, recebo uma ligação, uma creche do centro contratando, o trabalho é a noite, que mãe deixa uma criança em uma creche até uma da manhã? Tudo bem.. é um emprego. Começo amanhã as 17:00 e o salário é bom.
Tom me ligou algumas vezes hoje, e deixou recados, quer me ver, me levar pra sair, restaurantes, museus, parques... eu não vou alimentar as esperanças do menino, ele já é grandinho pra se apaixonar na primeira foda, quer dizer, foi só uma foda, não teve significado, eu gosto dele como primo e é só isso.
Minha mãe chega tarde em casa todos os dias, eu realmente não sei o que ela tanto faz, ioga, pilates, zumba, trabalha no seu escritório... Ela trabalha no mesmo escritório que meu padrinho Jean, na verdade se conheceram assim, são melhores amigos, dois arquitetos.
Quando pequana eu passava horas olhando ela desenhar plantas de casas magníficas, com traços leves e delicados que aos poucos se encontravam e tomavam forma, agora nossa intimidade se tornou mínima, não sei exatamente o que nos distanciou, mas parece que ambas estamos bem assim.
O dia foi abafado, e não tenho a mínima animação para o serviço, são 16:00 e a viagem de ônibus até lá demora uma hora. Todos os dias vou pegar o ônibus do ponto de ônibus a duas quadras da minha casa e descer no terminal do centro, andar três quadras e chegar ao serviço.
O prédio tem muros grafitados com formigas, é todo colorido, penso que vou ter uma dor de cabeça. Sou recebida com uma animação que apenas quem fica com crianças o dia inteiro pode ter, a qualquer momento essa mulher vai falar comigo no diminutivo. Sou apresentada ao parque, as salas, e a todos os cômodos do lugar. Meu serviço é cuidar de uma sala de crianças de 3/4 anos, tenho de dar comida, levar ao banheiro, e fazer dormir. Isso tudo de 22 crianças. O número é bem maior do que eu imaginava. Um garoto pequeno de cabelos escuros vem até mim com as mãos inteiramente marrons, eu espero do fundo do meu coração que seja tinta
-tia! Banheilo!
Pego ele pelo pulso e o levo para lavar as mãos, eu quero sair correndo daqui.A noite de tortura foi cansativa, tenho certeza que vou dormir essa noite, mas tenho apenas 5 horas pra dormir antes de ir pra escola, eu esqueci de pensar nisso.
Pego um onibus vazio, o meu trajeto é longo e eu observo as pessoas andando pelas ruas, imagino o que fazem tão tarde perambulando, qual seus destinos, será que vão buscar seus filhos em creches?
Quando acordo estou no ônibus ainda, passou do meu ponto, tenho de andar 10 quadras, O cansaço já me domina, e eu sinto olhares sobre mim, apresso o passo porque agora estou com medo. Chego bem em casa, pego uma lata de cerveja na geladeira e vou pro meu quarto, não demora muito pra pegar no sono.
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Descoberta indesejada
Mystery / ThrillerPorque algumas coisas deveriam continuar sendo um mistério.