Any

79 6 7
                                    


A noite foi repleto  de pesadelos. A verdade é que isso já deveria ser algo normal para mim. Ver espíritos em meus sonhos se tornava cada vez mais frequente, como o som da máquina de café que vinha da cozinha ao ouvir o Richard a preparar o café da manhã. Pelo menos eu tenho o melhor namorado ,  amigo e companheiro do mundo.
Eu e ele conhecemos num supermercado, eu sei que  não é o lugar mais romântico do mundo,  mas por vezes  as coisas mais incríveis e decisivas das nossas vidas acontecem onde menos esperamos. Já estávamos juntos a 3 anos,  e eu  já me imagino mais dez , cem ou mil junto com ele. Ele é o meu porto seguro em momentos de desespero e angústia. Me ajudou a me aceitar como eu sou . Mas não significa que tudo foi tão fácil como aparentamos ser. A verdade è que tivemos várias desavenças até chegar aqui, prestes a se casar dentro de tão poucos meses. Porque o amor  é mais do que sentir um calor ardente em dias de verão, ele  não é belo como uma flor,   o amor não é belo,  porque as flores também o são, e elas  só duram a primavera e o verão.  Ele  è assim,   forte e triste  como as árvores  nas noites de outono e  Inverno. E quem não  o souber, dificilmente saberá o que é amor.
Neste momento,  já não era só o som da máquina de café que me incomoda,  mas a luz do sol que invadia o quarto e se retirava,  talvez iria chover mais tarde.  Me levanto , enquanto pego o meu ropão, deparo-me  com malas arrumadas, de imediato vou até a cozinha,  onde o Richard se encontrava a tomar o  seu café. Ele possuia a pele num tom de chocolate bem claro,  e cabelos  e olhos negros.  O seu corpo não era tão musculoso,  mas modesto. Era bastante atraente e sexy.
Olho para ele incrédula.
-Vais viajar? -pergunto.
Ele olha para mim , se levanta e me dá um beijo na testa.
-Sim. Recebi uma  mensagem da empresa hoje pela manhã.  E terei que substituir um funcionário que teve que se ausentar por motivos de saúde. -ele diz olhando para mim.
-Por quanto tempo? -pergunto por temer a resposta.
A verdade é que essas viagens se tornavam cada vez mais regulares,  e eu precisava dele aqui,  porque algo me dizia que tudo mudaria para sempre. Poderia ser  somente  ansiedade por causa do casamento,  ou o meu sexto sentindo gritando para ser ouvido.
-Por seis meses Any. Eu prometo que estas viagens irão terminar -ele diz enquanto segura a minha mão.
Olho para ele não podendo esconder o meu nervosismo,  pois,  ele me conhecia tão bem.  
-Você disse isso na última viagem. -digo o fitando.
Ele suspira e olha nos meus olhos.
-Eu sei,  mas precisamos de dinheiro para as responsabilidades que virão. Tem o casamento,  e depois os filhos. Eu quero dar o melhor para vocês.-ele diz se justificando.
-O meu melhor sempre foi ter você  aqui. Eu não desejo nada,  se o preço for estar longe de você Rich. Além disso,  o que eu ganho juntamente com o seu , dá perfeitamente -digo enquanto eu seguro fortemente sua mão.
Ele me abraça fortemente.
-Eu sei Any. Mas foi tão difícil encontrar este emprego,  sabe,  foi tudo o  que eu sonhei e lutei para conseguir -ele diz susurrando no meu ouvido.
-Entendo...-digo enquanto me solto dos seus braços.
A katrina te deixou isso aqui -digo pegando um cartão postal e entrego para ele.
Ele abre e olha para mim.
-Foi muito gentil da sua parte. Ainda bem que ela superou tudo o que aconteceu .
-Você está falando sério Rich? Se eu não superei,  imagina ela. Ela faz isso para me provocar,  porque ela que eu não gosto que vc esteja longe de mim e perto dela. -digo passando a mão em meus cabelos.
Ele segura o meu rosto.
-Any ,  eu já pedi milhões de desculpas.  O que aconteceu entre eu foi uma aventura. Eu não te conhecia,  e muito menos eu sabia que vocês eram amigas, para mim  ela era somente uma colega de trabalho. Quando eu  te encontrei naquele super mercado, eu tive a certeza que era por você  que eu queria que o meu coração batesse até o último suspiro.
Encosto o meu rosto no seu.
-Desculpa, eu sei.  Isso tudo está me deixando muito confusa.  Eu já não tenho descanso,  desde que eu descobri o meu dom.
-Você deveria procurar ajuda querida. Tem uma associação  não tão longe daqui, uma ou  duas horas de carro. -ele diz seriamente.-Talvez seja o momento de encarares isso de frente.
-Irei hoje,  eu prometo. -digo olhando em seus olhos.
-Terei que ir agora,  o táxi me espera. -ele diz se afastando um pouco mais.-Assim que eu chegar,  te dou notícias. Te amo muito , hoje e sempre.
-Eu te amo muito também Rich.
Ele se aproxima de mim e sinto os seus lábios encostando nos meus,  fundindo num só, numa mistura de carinho e calor . Depois ele se afasta,  derijindo até o quarto e voltando com as malas na mão.
Ele sorri para mim.
-Até breve Any .
Permaneço em silêncio com o coração na mão e aceno para ele.
O vejo sair pela porta e atiro-me na cadeira.
-Okay Any , você precisa fazer isso sozinha .-digo falando comigo mesma.
Me levanto , vou até o quarto,  abro o guarda roupa , escolho uma calça jeans e um casaco, tendo em conta o tempo,  que dava cada vez mais certeza que iria chover. Vou até o banheiro,  tomo um banho rapidamente,   visto-me e solto os meus cabelos castanhos um tanto desajeitado. Apanho o panfleto do centro de espiritualismo que o Richard tinha trazido para mim, na tentativa de me ajudar e as chaves do carro.
Saio de casa e vejo a porta se fechar atrás de mim. Só de pensar que o Richard não estaria quando eu voltar para lhe contar como foi,  dá uma sensação de vazio. Mas afasto esses pensamentos ao entrar no elevador,  e penso que talvez tudo isso tivesse uma razão,  pois, esse tempo fortaleceria de certeza o que sentimos um pelo outro. O elevador chega no rés do chão,  e meus pensamentos se desvanecem.
Vejo o porteiro e sorrio para ele.
-Olá Arnaldo , como vai o seu dia?
-Bem e a senhora. -ele diz todo simpático.
-Ficaria melhor sem a "Senhora"-digo brincando.
-Até logo. -pisco para ele.
Ele acente com a cabeça e com um enorme sorriso.
Ao sair do prédio,  sou recebida com uma brisa fresca que anunciava a chegada da chuva. Entro no carro e fecho os vidros, ligo o GPS com as coordenadas indicadas no folheto. Apanho a estrada,  e ligo o leitor MP3 e começo a ouvir "yellow" de Coldplay. E por momentos sinto uma tranquilidade preenchendo a minha alma. As primeiras gotas de água começam a cair sobre a estrada,  e nuvens negras revestem o céu.  Ligo os faróis por causa da escuridão que reinava,  agora que o sol decididamente resolveu não aparecer. E já eram  uma hora de estrada,  e ainda faltava mais uma.  O tempo só piorava, seria melhor eu voltar,  mas eu precisava fazer isso. Any você não voltará com o rabo entre as pernas.
O GPS indicou a próxima direção para esquerda,  onde tinha uma placa escrita "Bem vindo ao Hollow" . Só pelo nome esquisito, eu deveria ter me apercebido que isso não poderia terminar da melhor forma . Mas a curiosidade  era uma das minhas fraquezas,  e continuei.  A estrada não era das melhores, e com a chuva, só piorava cada vez mais,  além disso  começava as trovoadas . Seria melhor eu prosseguir a pé,  já que não faltava muito.  Parei o carro,  e desliguei a mesma  música que estava tocando por horas,  peguei o  meu guarda-chuva e minha latinha de spray de pimenta.  Sim, sou uma dramática, talvez nem isso seja necessário   digo para mim mesma,  tentando manter a calma por estar num local que não conheço debaixo de uma tempestade .
Desci do carro e abro o guarda chuva e começo a caminhar. Aqui era desprovido de casas ou qualquer  sinal que indicava uma actividade humana constante.  Somente árvores e as luzes que iluminavam a estrada eram  as minhas companhias por agora,  até que  vejo uma pequena casa de madeira com um letreiro enorme escrito " Bem vindo para o Além da vida ". Me aproximo e bato na porta, mas ninguém atende.  Passo a mão nas vidraças na tentativa de espreitar o lado de dentro, porém em vão.  Sinto uma melodia que vinha do lado de trás,  deixo-me guiar pela mesma,  mas era só sinos de ventos e um capta sonho.
-Não abriu hoje por causa da chuva moça  -diz uma voz atrás de mim.
Me viro de imediato,  procurando o dono da voz, mas vejo somente uma sombra distorcida por causa da chuva.
-Bem... eu... deveria ter previsto isso -digo enquanto tento me manter calma por estar numa rua deserta com um estranho.
-Então eu vou embora.  Obrigada-digo um pouco nervosa.
-Espera! -diz o dono da voz.-Eu posso te ajudar. -diz ele se aproximando.
Quando ele se aproxima,  a sua imagem se clarece. Era um rapaz mais alto do que eu. Ele tinha cabelos loiros,  que se evidênciavam bastante por causa do corte moderno.  Os seus olhos eram um azul intenso,  assim como o seu olhar.  A barba não estava feita,  mas também não era desajeitada. Seu corpo musculoso revelava bastante tempo de treino.
-Você? -diz ele olhando em meus olhos como se podesse me desvendar.
-Você me conhece? -digo surpreendida por não lembrar do seu rosto em nenhum lugar.
Ele deixa o seu guarda chuva cair no chão e um sorriso se forma em seu rosto como os raios que traçavam o céu.
-Céus! Se eu te conheço? ! Você...Você-ele diz sem poder conter a felicidade. -Você gosta de chá e amendoins no final da tarde; a tua cor preferida è o azul;  tens um sinal em baixo do pé; e o teu ponto mais fraco são os teus ombros,  não resistes que alguém te beije ou morde ali,  e não dizes a ninguém por achar algo tão esquisito.-ele diz  sussurrando como se tivesse a contar um segredo. Ele coloca de joelhos na minha frente. -Eu prometi aos deuses,  e eles te colocaram no meu caminho . Eu fiquei quarenta dias e quarenta noites sem sexo,  só para te ver de novo,  nem se eu tivesse de esperar cem anos. Eu sei que não è a declaração mais bonita do mundo, mas foi a maior coisa que eu fiz por alguém -ele diz olhando em meus olhos, levantando de seguida e estende a mão para mim. -Aceita senhorita?
Olho para ele e fico sem reacção. Meu Deus, estou numa rua deserta com um louco  tarado. Dou três passos para trás e começo a retirar o meu Spray de pimenta lentamente do bolso do meu casaco.
-Não precisa ficar com med...-antes que ele podesse terminar de falar eu jogo o spray em seus olhos e começo a correr.
-Merda!-ouço ele gritar. -Espera!-sinto a sua voz vindo atrás de mim. Mas continuo a correr. -Okay,  esquece a parte do sexo,  talvez não comecei da melhor forma.  Eu preciso te ajudar,  è o meu dever. Você continuará tendo sonhos,  isso não sairá de você,  porque è isso que te fez voltar para mim. Por favor,  pare!
Continuo a correr e a minha respiração torna-se ofegante,  enquanto ignorar o que ele diz , continuo a correr mais rápido,  pois já poderia sentir os seus passos atrás de mim.
Entro no carro e tranco as portas.  A sua imagem surge nos vidros da janela e ele começa a bater nos vidros,  fazendo sinal que eu os abrisse. Ligo o carro,  e acabo por o bater do lado de trás numa árvore, mas isso não importava agora.  Acelero o mais rápido que eu posso,  retomo a estrada sem olhar para trás.  Sem olhar para aquele louco. Minhas mãos estavam geladas e meus dedos a tremer.  Eu só queria esquecer essa noite,  que eu não teria o Richard para me reconfortar quando eu chegasse em casa,  ou que ele não estava agora aqui.  Parecia que tudo estava a mudar. E lágrimas começam a deslizar dos meus olhos,  limpo-as com a manga do meu casaco.  Olho para frente, a estrada se encontrava deserta, até que uma  mulher surge no meio da estrada. O susto   me faz desviar  o carro rapidamente, perco o controlo  e saio da estrada em direção a  um poste. Consigo travar o carro antes do impacto,  olho para trás tentando ver se a mulher estava bem. Mas não havia ninguém,  somente a chuva que caia e desabava no chão,  como a minha paz e o meu sossego.
Quando eu consigo recuperar  um pouco da minha sanidade,  pego o telemóvele ligo para Ellen.   Os sinais da chamada antes de ela atender pareciam uma eternidade, até que  som da sua voz  surgiu , como um arco-iris naquela tempestade.
-Any, onde estás? -pergunto ela preocupada.-Estou horas a tua espera na tua casa. Any?  Estás bem?
-Por favor vem me buscar.  Eu não consigo...-Não consigo terminar a frase e começo a chorar. Tenho raiva de mim mesma por ser fraca,  independente das pessoas que eu amo.
-Eu vou. Não saia daí,  Okay?-ela diz com firmeza.
Eu invejava a autonomia dela,  sua força e coragem por encarar qualquer perigo.  Não importava qual fosse por quem ela amasse.
Me encosto na cadeira do carro e passo as mãos no meu cabelo. Quem seria aquele homem maluco?  Como ele poderia saber tanto de mim?
Estava perdida nos meus pensamentos,  quando eu sinto  alguém batendo na janela do carro.
Olho para a fora e eu não poderia acreditar no que os meus olhos viam.

* È isso pessoal. Deixem os vossos comentários,  isso ajuda a melhorar e incentiva a escrever o próximo.  Espero que tenham gostado. *

Deixa-me ser a sua luz Onde histórias criam vida. Descubra agora