Parte 1

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Eu posso antever seu futuro e projetá-lo em seu presente. Minhas mãos diluem o tempo, o toque cruza as linhas, ultrapassa dimensões. Estou aqui ao seu lado, e já o conheço tão bem, mais até do que você a si mesmo. E serão tantos os fracassos, algumas vitórias, e muito tédio, rotina, estresse por problemas simplórios demais, humanos demais. Eu poderia me chamar Tempo, ou Fenda, Mr. Futuro ou O Vidente, mas não, sou popularmente conhecido como Alceu, o Ceifador. Alceu pois nasci em um país de língua portuguesa, em uma cidade interiorana desconhecida até pelo próprio povo, minhas origens são humildes, pouco tive na infância. Mas um dia domestiquei minha habilidade, e passei a arrecadar uma grana, cobrava pouco no início, nem sempre as visões eram claras o suficiente, eu não dispunha da sagacidade da interpretação, só o tempo me cederia este dom. Logo ganhei fama regional, e um programa de auditório a nível nacional contou minha história. Meus vídeos de atendimento se tornaram virais, em poucos meses meu nome já estampava capas de grandes revistas, toda semana era convidado de algum canal para exibir meus poderes. Com o sucesso, aumentei minha conta bancária e extrapolei os limites da ostentação. Nunca me ensinaram limites para tal, visto que nunca antes tivera o que esbanjar. Era convidado de festas mirabolantes, e nelas formavam-se filas para leituras do futuro, saía de lá rodeado de homens e mulheres, e pelas noites afora mantinha-me extasiado, o sexo para mim possuía um sabor único, eu transava com todas as versões daquela pessoa ao longo da vida, aquilo sim podia ser chamado de conexão entre dois corpos. Nesta vida por anos me embrenhei, as noites de sono eram raras, paparazzi viviam no meu encalço, e os tabloides bombavam com meus escândalos. O que antes era visto como uma das maiores descobertas da história da humanidade, aos poucos tornava-se chacota. Os físicos e demais cientistas tentavam a todo custo descobrir a minha razão de ser, minha cidade foi invadida por estrangeiros, uma base de estudos internacional construída, e a rotina rural transformada em pouquíssimo tempo, a população local lucrava com isso, e uma rede de turismo formou-se ali. Lojas de lembranças com meu rosto estampado dispunham-se aos montes, lendas surgiam, e a terra ganhava ares místicos, atraindo todo tipo de gente para lá. Até mesmo balneários foram erguidos às pressas, e a promessa da cura vendida em meio a chaveiros e camisetas de "Estive aqui". Eu não ganhava nada com isto, embora uma estátua em minha homenagem estivesse nos planos da prefeitura. O antigo Alceu agora era amigo de infância de toda uma cidade, não mais se lembravam de mim como beberrão, moleque travesso, e mau aluno. Tornei-me um deus para aquela gente, e para tantos mais que passavam a me cultuar, seitas foram fundadas, muitos me viam como sinal do Apocalipse, ou um novo messias. Eu mantinha-me à parte destas discussões, visto que radicais por duas vezes atentaram contra minha vida, saí ileso dos incidentes, todavia, inocentes que encontravam-se na localidade foram mortos, levantando a pergunta, teria sido eu responsável por todas aquelas mortes? Se eu conhecia o futuro, como não previ aquelas perdas?Minha resposta, não posso sair tocando todas as pessoas o tempo todo. Julgaram-me imoral, egoísta. Meu inferno se instalava. 

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