Parte 2

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O pior se concretizaria tempos depois, quando a mídia alardeou minha capacidade de identificar o futuro das crianças intra-útero, e uma nova discussão se iniciou, poderia eu identificar um futuro assassino ou estuprador, antes mesmo do seu nascimento. Ação preventiva, diriam. E a ideia ganhou apoio da classe média, dos bons cidadãos, que há muito estavam cansados de terem seus celulares furtados. Eu me opus, não dedicaria meus dias a tocar gestantes, e o futuro ainda era uma incógnita mesmo para mim. Nada era capaz de comprovar que as visões se concretizariam de fato, a maioria seguia seu curso, no entanto, algumas pessoas transgrediam as normas. Como reconhecer cada caso? Bem, esperando os anos e dando a cara a tapa. Eu o fazia, não conhecia meu próprio futuro, tampouco tinha estrutura psicológica para me defrontar com as consequências de meus atos. Um estudo espanhol, certa vez, realizou uma pesquisa que concluiu o mesmo, a maioria das pessoas não gostaria de conhecer seu futuro, mas isso era antigamente, quando não dispunham de um meio para tal. A curiosidade nos arrasta para esta incerteza que é o minuto seguinte. Voltando aos fetos, fui culpabilizado por um aborto, visto que previ que a criança seria homossexual, os pais, fervorosos evangélicos, viram-se diante da maior encruzilhada já imposta, pregavam contra o aborto e contra os grupos LGBTTs, um "acidente" pôs fim ao sofrimento do casal, a mídia não perdoou, e a culpa foi compartilhada.

Meu "dom", diversas vezes, foi alvo de disputas, a justiça me obrigava a comparecer em tribunais para prever a reincidência de criminosos que estavam para terminar de cumprir suas penas, se um novo crime fosse visto, a pessoa saía dali para a prisão domiciliar, antes mesmo de ter cometido qualquer ato. O órgão dos Direitos Humanos não se calou, como poderia o homem responder por algo não concretizado? Minha existência criava vieses antes nunca trabalhados. Tivessem me deixado na vida boa e nada disto aconteceria. Até mesmo as empresas de seguro tentavam contratar meus serviços, oferecendo um salário milionário para dizer qual assegurado traria despesas e, consequentemente, ter seu contrato não renovado. Isso se repetiria com os planos de saúde, empresas de aviação, partidos políticos. O resultado de uma eleição se encontrava a um toque de distância, e permaneceria obscuro, já que me recusava a cumprimentar um político. 

As pessoas me viam como uma anomalia a desestruturar a ordem vigente. Fui sequestrado e meu cérebro esmiuçado, exame algum, entretanto, pôde definir a origem das minhas visões. Convenci os cientistas israelenses a me libertar, previa uma falsa bomba a implodir o prédio, e me recusava a dizer quando aconteceria. Em mentiras crescentes os envolvi em minha paranoia, fui abandonado em um deserto e na semana seguinte estampava a capa da Time.

O Homem OriginalOnde histórias criam vida. Descubra agora