capítulo 1

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Versão Reescrita 2021.
Versão original 2017.

Revisado profissionalmente.

Liza

— Só mais um pouco... — Estalo as juntas dos meus dedos e puxo mais uma vez.
Mala estúpida. Escada estúpida. Universo estúpido.
Respiro fundo e escalo mais um degrau, olho para enorme mala com todo meu arrependimento.
Se eu soubesse que o elevador do prédio quebraria justamente no dia da minha mudança, teria dividido minha bagagem em pequenas outras malas. Isso me pouparia do esforço físico e dores nas costas.
Mas não estou surpresa com isso, da minha constante onda de má sorte, estou até mesmo satisfeita com o fato de não ter rolado escada abaixo.
Ainda.
Considero essa subida de andares como um mal necessário, afinal, são calorias extras perdidas, só vejo vantagens nisso.
Pena que meu pensamento positivo se quebrou na metade do percurso.
— Eu vou definitivamente morrer nessas escadas, estou subindo para o Olimpo nessa porcaria — resmungo, limpando o suor da testa.
Meu pequeno cubículo se localiza no terceiro andar, e já não tenho certeza se chegarei até ele nessa década. Isso me faz recordar do principal motivo para ter abandonado a academia anos atrás, odeio me exercitar.
Preparo-me para continuar a subida, mas assim que dou o primeiro passo, um peitoral duro vem de encontro a mim e, como se o mundo ficasse em câmera lenta, me vejo caindo no chão feito uma folha seca e minha linda mala cor-de-rosa com todas as minhas coisas desce todo o percurso que lutei para subir na última hora.
— Merda! Tanto esforço para nada!
Luto contra o ímpeto de chorar ou, pior, gritar.
Fico tão aturdida com minha perda que não percebo que o causador do meu maior problema atual está me encarando.
— Se machucou?
Puta merda.
Minha vantagem era que já estava sentada, ou provavelmente faria companhia a minha mala, o dono da voz pode ser facilmente o homem mais impressionante que já vi na vida. Embaraçada por ainda estar sentada no chão olhando para ele como um filhote de cachorro olha um bife, me levanto.
— Estou bem, ou algo entre bem.
De pé, ele é tão enorme quanto parecia e tenho que levantar meu queixo para olhá-lo nos olhos. Meu erro, o azul profundo e límpido reflete meu reflexo de volta.
Tão lindo. Será que ele vai se importar se eu o tocar para ver se é real?
— Na próxima, olhe pra onde anda! — diz simplesmente.
Abro a boca com a surpresa. Obviamente a beleza exterior não compensa o interior. Idiota.
— Você me derrubou, o culpado é você, homem grande, e derrubou minha mala. Sabia que é um idiota?
— Isso foi uma pergunta? — Seu olhar desce para meu rosto. — Eu trarei sua mala, loira, se for de ajuda.
— Mais do que sua obrigação.
Segundos depois, ele está subindo com minha mala em mãos. SEGUNDOS DEPOIS! Enquanto demorei uma eternidade. Uh, não é lindo o jeito que seu músculo flexionou?
— Aqui está — diz, pondo minha mala próxima a mim. — Na próxima, olha por onde anda!
E ele abre a boca novamente...
— Tanto faz, espero que tropece e machuque seu rosto bonito!
Se ele ouviu minha gafe no final, não demonstrou ou olhou para trás, mas tive certeza de ouvir uma risada de fundo, não muito longe.
Lar doce lar.

FINALMENTE.
Depois de muito esforço, consegui chegar viva até o apartamento, totalmente esgotada, mas ainda sim viva.
Olho em volta com orgulho, esse pequeno lugar é meu e só meu. Não se parece com um palácio, mas posso pagar com meu próprio dinheiro, o que faz dele ainda melhor. Tudo que vem do dinheiro da minha mãe foi deixado no passado. Inclusive ela. Não são todas as pessoas que podem aguentar por duas décadas minha mãe, sou uma fênix.
Susana Norris é a típica cidadã nova-iorquina, classe média alta. Uma casa perfeita, amigos perfeitos, vida perfeita, e eu sou a peça que não se encaixava. O sonho de vida da minha mãe consiste em ver casada com um homem rico e político ou, pior ainda, com algum filho de seus amigos.
Vivi por anos seguindo essa ideia estúpida de status, mas não é quem quero ser, eu não me vejo como esposa troféu de algum político cheio de merda. No momento em que decidi ir para Faculdade de Letras, foi o início da guerra.
Cumpri alguns trabalhos autônomos para agências como revisora e, depois de um tempo, juntei dinheiro suficiente para sair do teto dela, e hoje sou funcionária de uma editora emergente bem-sucedida. O trabalho dos meus sonhos, qual mulher apaixonada por livros não gostaria de lê-los com antecedência? Eu sim, o mundo da fantasia me dá toda felicidade que preciso. Mas a vida real não é tão bela.
Suspiro e olho para minha mala cor-de-rosa. Tenho todas minhas coisas para serem organizadas e uma limpeza me aguardando.
Outra hora.
— Vou dormir.
Aqui está o preço por me esforçar tanto essa manhã, fiquei esgotada. Deito na almofada do sofá com um sorriso, dormir é a solução sempre.

Droga.
Oh, céus, seria demais pedir por uma dose de boa sorte?
A resposta é sim. 
O universo me odeia, melhor dizendo, não me suporta. Todo destino, com seu plano perfeito e linear, simplesmente não dá a mínima para mim, tudo sempre piora ao meu redor.
O pneu do carro furar numa nevasca? Eu tive.
Um enxame de abelhas no passeio da escola? Confere.
O poste caindo na sua bicicleta nova? Porra, sim, aconteceu comigo.
Entre todas as vezes em que meu azar interferiu na minha vida pessoal. Como a vez em que tropecei no nada e caí na poça de lama podre no meu primeiro dia de trabalho.
Azar. Azar. Azar.
Não consigo xingar alto o suficiente quando o dia de sol, que estava quando saí para ir ao mercado, se transformou em uma tempestades violenta bem na minha vez de ir para casa, na rua. Junte isso ao meu tênis destruído pela água e meu humor está abaixo do zero.
Nova Iorque não é conhecida por seus táxis amarelos que salvam vidas?
Uma merda, nenhum à vista.
Eu poderia chorar se não estivesse congelando minha bunda na chuva, é óbvio que ficarei doente após tudo isso, essa é minha sorte. E, ao correr para dentro do prédio por um triz não escorrego. Deus, ou seja, lá a força suprema existente, sorri para mim, pois o elevador voltou a funcionar e isso é tudo de agradável que me aconteceu hoje.
Eu começo a relaxar e quando as portas se fecham, uma mão enorme intervém.
O grandão de olhos azuis e rosto bonito entra. O reflexo do espelho me faria chorar se não tivesse acostumada a estar em situações piores, o deus do Olimpo está de branco e tão limpo, enquanto sou um gato escaldado, com o cabelo arrepiado e roupa pingando.
Realmente meu rímel é a prova d'água, ao menos.
Olhos azuis me encaram eu faço o melhor para parecer inabalável, mesmo que esteja tremendo.
— Vejo que está molhada.
Sua voz grossa fez muito para molhar onde a chuva não molhou.
— Como percebeu? — ironizo.
— Parece que seu plano de me evitar não funcionou.
Idiota. Bonito, cheiroso.
— Não, mas posso fingir que não existe.
Com isso, o elevador se abre e saio primeiro e o grandão me segue. Mesmo andar? Sorte, cadela. Os meus passos param e ele para de frente para porta oposta a minha.
— Terá que se esforçar mais, vizinhardes sacudindo as chaves.
Foda-se.
— Péssima vizinhança — resmungo, abrindo a porta, e o desconhecido ri.
— Te vejo em breve, vizinha!
Bato a porta e seguro um sorriso, ele é tão cheio de merda, mas é bom para os olhos.
Deixo as compras sobre a mesa e vou para um banho quente e longo no meu novo lar.
E sim, a água ficou fria após dois minutos. Elizabeth Norris não poderia ser sortuda para água quente.
Que dia longo.

Por VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora