O falecido Sr. Hampton havia adquirido uma carruagem francesa há uns dez anos. Feitos alguns reparos, mas a charmosa "calasch" ainda era eficiente e restava-lhe um esplendor mesmo que em declínio. O cocheiro já estava posicionado à frente dos quatro cavalos altivos que seriam revezados durante os três dias da viagem. Todos esperavam fazer uma viagem tranquila, acomodando-se em boas estalagens ao longo das 120 milhas até Londres. Era a primeira vez que Veronika e Suzanne saiam dos arredores de Foxes Park, nunca haviam deixado o condado em que nasceram. Na cabeça de cada uma reinava fértil imaginação sobre o que encontrariam.
Suzanne ansiava por antever como deveria ser um baile. Sua cabeça trabalhava principalmente em lindas vestimentas que encheriam um suntuoso salão em casais dançavam animados por uma afinadíssima orquestra. Ela, assim como Veronika, tivera aulas de dança e estaria pronta para valsar. Temendo ser ignorada por um par, e por não ter certeza se, de fato, teria um par, a jovem dama tinha receio de que os nobres não gostassem dela por descobrirem que, na verdade, ela era uma simples criada e assim, de alguma forma, vir a ser menosprezada, ignorada ou mesmo maltratada. Sem dúvidas, preferiria ser ignorada em tais circunstâncias desagradáveis, todavia, guardava uma pontinha de esperança de conseguir realizar o intento da Sra. Hampton: casar-se e constituir uma família, tal como sempre sonhou.
Os pensamentos de Veronika giravam no mesmo foco em que Suzanne se demorava, no entanto eram bem menos românticos e bem mais pretensiosos, pois tinha a certeza de que arrumaria um marido que fosse abastado, bonito e que a amaria com a veneração com que uma esposa, tal e qual uma rainha, deve ser tratada. Imaginava-se em sua primeira valsa, arrancando suspiros de todos os presentes. Com certeza, iria se destacar entre as outras damas, pelo o seu dote, que era uma fortuna, assim como por sua personalidade, que julgava ser subestimada por seus familiares e pelos frequentadores da sua casa.
A estrada seguia pelas colinas do local e a visão era como uma pintura a óleo pincelada por um grande e romântico artista. Era o fim da primavera daquele ano, então a folhagem ainda estava ricamente variando entre o verde e o amarelo-ouro de algumas árvores. Havia uma mistura de cores, o verde dava a tonalidade predominante, mas a sutileza com que todas as cores vivas se projetavam sob um céu muito azul e um sol bem dourado, fazia a pobre Suzanne sentir-se muitíssimo feliz. Parecia-lhe que era tudo o que ela precisava na vida, poder olhar uma paisagem como aquela! Silenciosamente, agradecia ao bom Deus, em que ela acreditava fervorosamente, pela oportunidade de presenciar a manifestação da natureza em sua melhor versão.
A viagem prosseguia bastante tranquila em seu primeiro terço. A Sra. Hampton fazia seus bordados na medida do possível, reclamando sempre que uma roda da carruagem passava por uma pedra ou um galho, porque seu dedo médio já contava com alguns furos e, por sorte, não sangrava tanto quanto poderia. Mesmo assim recusava-se a usar o dedal. O linho já apresentava superficiais manchas vermelhas, mas não tantas para de alguma forma colocar em cheque a credibilidade do excelente trabalho da senhora. Seu sobrepeso a desestimulava a fazer exercícios físicos demorados, motivo pelo qual limitava-se a realizar pequenas caminhadas pela grande área verde do parque em que morava. Assim, sempre que podia, dedicava-se com prazer ao bordado e a outras tarefas manuais.
Perfeccionista, a Sra. Hampton costumava dizer que não aceitava menos do que a perfeição. Seus trabalhos eram tidos como o que de melhor se conhecia nas redondezas.
Além disso, cuidava pessoalmente dos livros de contas dos responsáveis por suas propriedades, oficio secundário que assumiu após a morte do seu marido, vitimado por fulminante ataque cardíaco. Ela ainda lembrava quando ele, com o horror estampado na face, segurava o peito, como se quisesse dali arrancar o próprio coração, até cair morto em seu escritório.
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Desencontros e Desencantos
RomanceA Inglaterra, do início do século XIX, é palco de um romance repleto de paixão, dor, encontros, encantos, desencontros e desencantos. O romance é composto por pessoas e com elas, tudo o que há de pior e de melhor no ser humano. São sentimentos expl...