Acordei com os gritos do Papai.
Por algum motivo, ele sempre chegava aos berros de madrugada, fazia a mamãe chorar e eu acordava. As vezes, ele a machucava, mas sempre se desculpava e pedia para que eu não contasse a ninguém, então eu voltava a dormir e não contava.
De manhã, mamãe preparava o café enquanto papai dormia.
Ela tinha uma manchinha roxa nos braços e o olho estava inchado, me arriscaria a perguntar se fora o papai, mas ele entrou na cozinha no momento seguinte, ele sorria como se nada houvesse acontecido, mas seus punhos estavam avermelhados, droga, Papai, porque tem de machucá-la?Mamãe me deu um rápido banho e me vestiu para a escola, antes de sair, apanhei o casaco rosa e florido que minha prima havia esquecido aqui. Sempre quis ter um igual, mas papai não permitia. "Coisa de menininha, e você é macho, porra!"
Eu adorava a escola, não tinha amigos lá, mas tinha como brincar; brincar sem ouvir os gritos do papai, brincar sem ver a mamãe chorar.
A escola era descuidada, praticamente caindo aos pedaços, tínhamos um ventilador e as cozinheiras estavam sempre de mau humor, mas ainda sim, era um bom lugar comparado á minha casa.
A hora do lanche era a mais triste, eu via os meus colegas de classe se juntarem em grupos para comerem juntos, e eu sentava-me sozinho, os observando.Havia um garoto, Lucas; ele tinha cabelo preto e ondulado, olhos negros como os meus, e era engraçado e magricelo, sempre caía na frente da classe de propósito e vivia rodeado de amigos. Eu gostava de Lucas.
Meus olhos alternavam entre o meu saco de bolachas e os olhos dele, que num momento se fixaram nos meus. Eu realmente gostava de Lucas.A professora nos chamou de volta para a sala, quase ninguém ouviu, mas eu me levantei para jogar os restos no lixo, estava logo atrás de uma menina quando senti mais alguém atrás de mim. Era ele. Ajeitei as mangas do casaco florido e levantei o olhar, alegre e receptivo.
— Oi, Lucas! Eu sou o Henrique, mas pode me ch...
Ele me encarava com desprezo. Não assimilei, era o meu primeiro
— Por que fala com essa voz de mariquinha? Você não é homem?
— Mas eu não...
Os amigos de Lucas riam atrás dele, tentei engrossar minha voz, assim como a dele.
— Cala a boca, viadinho. — Gritou outro de seus amigos. Eu podia sentir a ponta do meu estômago revirar, meus olhos se enchiam.
— Olha gente! Nem se vestir como um menino ele sabe! — Riu uma menina atrás dele. Minhas mãos tremiam.
Então fiquei mais confuso ainda.
Um dos seus amigos esbarrou em mim, e conforme os outros passavam, era pisoteado enquanto riam.
Lucas segurava o resto de sua sopa, podia ver a fumacinha deixando o prato, indicando o calor vindo de lá enquanto seus amigos ainda me xingavam e socavam, mas eu permanecia em pé.
Onde estava a professora? A procurei com os olhos, ela não estava por perto, mesmo que estivesse, não queria pedir ajuda; não queria ser o bebê chorão que dependia de um adulto.
Tentei correr á um canto, o que foi pior, eles me derrubaram enquanto Lucas fixava seus olhos nos meus, que choravam agora choravam diante daquilo tudo.
— Por favor, chega! — Tentei gritar, com a voz mais grossa que consegui forjar.
Lucas ergueu o prato de sopa, e eles pararam por um momento, achei que estava livre, até sentir uma parte do rosto queimar. Não sei se era pelo choque, mas demorou até que percebesse que ele havia jogado o prato em mim.
Os vi fugir, e logo atrás, um professora brava, que me encarava com pena. Droga, Lucas, porque tem de me machucar?Mamãe veio me buscar assim que a diretoria a informou, não contei a ninguém sobre quem me feriu, mas sabia que poderia contar á minha mãe.
Demorou, mas chegamos em casa, e lá estava o papai de novo! Bêbado, apagado e a casa completamente bagunçada, quis pedir para que fôssemos embora daquele lugar de gente má, mas sabia que ela o amava.
Mas, droga, mamãe como pode chamar isso de amor se você mais chora do que ri?
•••
Contava detalhadamente o acontecido á ela, que resmungava sobre o que faria com os responsáveis da escola amanhã.
Implorei para que não fizesse nada.— Ah, meu amor! Você precisa contar á eles. Ele deve pagar pelo que fez você passar.
— Porque você nunca contou á ninguém o que o papai faz?
— Eu gosto do papai, meu amor.
— E eu gosto do Lucas.
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Agressor [aviso de gatilho]
Nonfiksi[isto não é um livro] [aviso gatilho] [sinopse temporária] Não deixe que diminuam o tamanho do teu fruto pela flor que tu foras, não torne-se aquilo que te feriu.